Título: Lamy marca reunião ministerial, mas Mercosul racha de novo
Autor: Moreira , Assis
Fonte: Valor Econômico, 26/06/2008, Brasil, p. A4

AP Photo/Keystone, Salvatore Di Nolfi Pascal Lamy, diretor-geral da OMC: sinais de recentes progressos nas negociações indicam que encontro tem mais de 50% de chances de sucesso O diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, fixou para 21 de julho o começo de uma reunião ministerial que representa uma última chance para um acordo agrícola e industrial na Rodada Doha. Deverão participar de 30 a 35 ministros representando diferentes interesses na negociação, mas a dificuldade para um acordo foi escancarada durante o próprio anúncio de Lamy, quando o Mercosul mostrou-se rachado, com Brasil e Argentina seguindo em direções opostas.

O diretor da OMC decidiu preparar a ministerial diante de "recentes progressos" nas negociações, acreditando numa chance acima de 50% para a obtenção de um acordo agrícola e industrial. Um desses progressos foi a flexibilidade adicional para as indústrias do Mercosul. Na semana passada, o Brasil paralisou a rodada para arrancar, três dias após, um compromisso dos Estados Unidos garantindo a utilização de toda a flexibilidade prevista no atual texto industrial, com 12% a 14% das linhas tarifárias sendo poupadas do corte inteiro que será acertado.

A Argentina avisou ontem, porém, que considera "totalmente inaceitável" o que está na mesa e que a proposta não é suficiente para fechar um acordo nessas bases. O subsecretário de Assuntos Comerciais da Argentina, Nestor Stancanelli, disse ao Valor que, pela proposta, o bloco continuaria a receber tratamento menos favorecido do que outros países fora de uniões aduaneiras.

Stancanelli exemplificou que as linhas tarifárias sensíveis do Mercosul são 1.456 - 16,5% do total. Acontece que a coincidência de tarifas a serem protegidas no bloco levaria Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai a só poderem proteger, na prática, até 10% das tarifas. "Se não temos 16,5% de flexibilidade, então é pior do que como país individual e não é possível aceitar que como bloco estejamos pior do que sozinhos", afirmou.

O Brasil argumenta que o acordo obtido no fim da semana era, no mínimo, igual ao que a Argentina já tinha aceito sobre o tamanho da proteção à indústria. Stancanelli retrucou que "essa nova metodologia não serve para garantir o que os países do Mercosul teriam individualmente".

Nos círculos comerciais, a posição Argentina soou como uma advertência de que um novo fiasco é bem provável na reunião. Enquanto o representante argentino insistiu que a coordenação existia com o Brasil, certos negociadores indagavam se afinal há diálogo ou não entre Brasília e Buenos Aires. O subsecretário argentino de comércio exterior evitou comentar a posição do Brasil, mas avisou que "o Mercosul tem que trabalhar unido e não ceder a pressões como bloco, porque o que está na mesa é totalmente inaceitável".

Nestor Stancanelli acusou os Estados Unidos e a União Européia de querer "retirar do Mercosul tudo o que podem". Reclamou que os dois gigantes do comércio mundial "não têm consciência" de que o bloco está apenas pedindo tratamento justo. E que isso tambem é bom para eles, pois "quanto mais o Mercosul cresce, mais aumentam suas importações".

Ele reclamou que Washington e Bruxelas não consideram esse aspecto econômico e "não aceitam a flexibilidade" para a indústria do bloco seguir crescendo". Ele disse que a Argentina quer contribuir com a liberalização na rodada, mas os países industrializados têm que pagar mais. "Se eles não entendem, não há acordo e a culpa é deles", avisou. Stancanelli diz esperar, em todo caso, que os países ricos "reajam positivamente, entendendo que todos devem ganhar na rodada e que não é possível que uns percam e outros ganhem".

Pascal Lamy disse aos principais embaixadores na OMC que ele planeja uma reunião ministerial que começará no dia 21 de julho. Mas a idéia é que os ministros cheguem a Genebra a partir do dia 19 para encontros informais no fim de semana.