Título: Minha casa, meu tormento
Autor: Nunes, Vicente ; Pires, Luciano
Fonte: Correio Braziliense, 20/02/2011, Economia, p. 14

Um dos símbolos principais da campanha que levou Dilma Rousseff à Presidência da República, o programa Minha Casa, Minha Vida está envolto em uma série de problemas. Pelo menos R$ 1 bilhão liberado pelo Tesouro Nacional a fundo perdido (sem retorno para os cofres públicos) está seguindo caminhos tortuosos, sem fiscalização efetiva. O dinheiro sai por meio de uma rubrica chamada Programa de Habitação de Interesse Social (PSH), voltado para famílias com renda mensal de até R$ 740.

O Tesouro faz um leilão e empresas financeiras e não financeiras se candidatam para repassar os recursos. Cobram R$ 1 mil por casa construída e por garantir a execução das obras. Não se preocupam, porém, com a qualidade dos empreendimentos e se os impostos pagos pelos contribuintes estão sendo bem empregados. Pelo Decreto nº 5.247, de outubro de 2004, cabe ao Ministério das Cidades ¿a verificação e a avaliação da correta aplicação dos recursos¿. Ao Banco Central, foi designada a missão de atestar que as instituições estão enquadradas nas regras do sistema financeiro nacional, conforme a Portaria Interministerial nº 484, de setembro de 2009.

Mas nem o ministério nem o BC saem a campo para ver a real aplicação do dinheiro liberado. ¿A impressão que fica é de total descompromisso com o dinheiro público. Os órgãos do governo ficam esperando por denúncias de desvios. Quando elas chegam, os recursos já escorreram pelo ralo¿, diz um técnico envolvido com habitação. Além do nevoeiro que tira a visibilidade da execução do PSH, fundamental para melhorar a vida de famílias de baixíssima renda, nas demais faixas da população atendida pelo Minha Casa, Minha Vida é o descaso que assusta. Os poucos que já receberam imóveis dentro do programa reclamam de infiltrações, vazamentos, estrutura deficiente. Mesmo em moradias prontas para ser entregues, as paredes estão rachadas. Há risco de desabamento.

Outro dado preocupante é que há empresários disfarçados de construtores que levantam imóveis distantes dos centros urbanos sem nenhum tipo de infraestrutura. Na entrada das obras, as placas afirmam que o empreendimento está enquadrado no programa oficial, apesar de não haver nenhum contrato com a Caixa ou outra instituição financeira credenciada. Só depois de concluídas as obras ¿ sem certificação ¿, os empresários procuram um banco ou uma cooperativa habitacional para acessar o programa governamental. Em muitos casos, os clientes não se enquadram no perfil definido e a saída mais comum tem sido a de maquiar as informações.

¿Erros acontecem em qualquer lugar. Fique certo de que todas as irregularidades, todas as denúncias são investigadas com a ajuda da Controladoria-Geral da União (CGU)¿, lembra Inês Magalhães, Secretária Nacional de Habitação do Ministério das Cidades. Ela garante que, qualquer que seja a faixa de renda atendida pelo Minha Casa, Minha Vida, os recursos do Tesouro Nacional e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) são liberados de forma gradual, mediante a comprovação da execução das obras. ¿Exigimos o cumprimento de todos os critérios previstos em contratos¿, assegura.

Em Águas Lindas de Goiás, cidade do Entorno do Distrito Federal, o Jardim Paraíso coleciona problemas. Parte das 1,2 mil casas ¿ entregues aos proprietários por etapas ¿ apresenta defeitos. Quem já recebeu as chaves comemora a conquista do teto próprio, mas também se queixa das surpresas desagradáveis.

Decepção Albino de Souza, mestre de obras, mora há 11 meses em uma casa de dois quartos que tem rachaduras por todos os lados e paredes escurecidas devido ao excesso de umidade. ¿Só não estou mais feliz porque está dando esse monte de coisas que precisam de conserto¿, resume.

O financiamento da Caixa contratado pelo operário é de 25 anos. A entrada reduzida e o subsídio de R$ 16 mil concedido pelo governo federal baixaram o saldo devedor para R$ 34 mil, que foram diluídos em prestações mensais de R$ 252. ¿Pago em dia e com sacrifício. Não esperava passar por isso¿, lamenta Albino de Souza. Na casa vizinha, onde mora a filha, as imperfeições são ainda mais visíveis. Há mofo e trincas acentuados. ¿Estou esperando para ver se piora para reclamar e se eles arrumam¿, justifica.

A Marka Empreendimentos Imobiliários, responsável pelo loteamento, informa que os imóveis têm cinco anos de garantia e que os reparos acontecem conforme as reclamações. Carlos Antonio Bernardes Ferreira, diretor da empresa, admite que ¿eventualmente¿ há problemas, mas que nenhum descontentamento formal foi registrado até agora por moradores. ¿Nesse tempo de chuvas, cria um fungo natural. Se o morador tiver cuidado, abrir a casa, não acontece isso¿, reforça o executivo.

Na Cidade Ocidental (GO), outro município do Entorno do DF, casas que nem foram entregues apresentam defeito. No Residencial Lord¿s, a placa publicitária anuncia prestações a partir de R$ 585 e facilidades de pagamento com a marca Caixa. O loteamento abriga 136 imóveis, mas em vez de moradores há pedreiros trabalhando, diariamente, para reparar rachaduras nas salas e nos quartos de pelo menos 10 casas.

A reportagem do Correio esteve no bairro no momento dos consertos. Restos de paredes no chão e cimento à mostra davam a dimensão e a gravidade dos defeitos. A Prestcon, que está à frente do empreendimento, minimiza os defeitos, alegando que são ¿pontuais¿ e ¿localizados¿. A companhia se compromete a refazer as paredes e entregar as casas ¿em perfeito estado¿.