Título: Impunidade, aliada oportuna
Autor: Mader, Helena
Fonte: Correio Braziliense, 20/02/2011, Cidades, p. 32

A certeza da impunidade é um estímulo à invasão de terras no Distrito Federal. Como as penas para esse tipo de crime são pequenas, os acusados conseguem responder em liberdade ou são condenados a penas alternativas. Existe ainda a possibilidade da suspensão temporária do processo. A maioria dos grileiros flagrados nem sequer é presa e os que acabam detidos passam poucos dias atrás das grades. Além disso, muitos invasores conseguem liminares na Justiça para impedir os fiscais de derrubarem as obras irregulares. Enquanto isso, aceleram ainda mais as construções para consolidar o parcelamento o mais rápido possível.

Os grileiros que oferecem lotes irregulares ou fazem afirmações falsas sobre a legalidade de um loteamento podem pegar pena de um a quatro anos de prisão. Há também cobrança de multa judicial, que pode alcançar um valor equivalente a até 50 salários mínimos. Se o grileiro firma promessa de venda ou manifesta intenção de vender o terreno em desacordo com a lei, a punição é a reclusão de um a cinco anos, mais multa.

¿Quando o acusado por parcelamento irregular é réu primário e tem bons antecedentes, logo sai da cadeia ou consegue responder o processo em liberdade¿, explica a delegada-chefe da Delegacia do Meio Ambiente, Eliana Lúcia Clemente. ¿Nesses casos, não são comuns as prisões em flagrante. Na maioria das vezes é difícil caracterizar o crime¿, acrescenta a delegada. É preciso encontrar objetos como plantas dos lotes ou estacas para que o suspeito seja enquadrado no crime de parcelamento irregular do solo. As provas testemunhais também são importantes durante o processo, mas nem sempre ajudam a configurar o flagrante.

Nos crimes com pena mínima igual ou inferior a um ano de detenção ¿ como é o caso do parcelamento irregular de terras ¿ é possível suspender o processo por um período variável entre dois e quatro anos. Esse benefício está previsto na Lei Federal nº 9.099/95 e pode ser proposto pelo Ministério Público, no momento da oferta da denúncia, desde que o acusado não tenha sido condenado por outro crime. Todos os grileiros que pegam a pena mínima prevista em lei têm a possibilidade de ser beneficiados com essa suspensão temporária do processo. A legislação também prevê que condenados a menos de quatro anos de cadeia podem ter a pena substituída pela prestação de serviços à comunidade, pagamento de multas ou permanência em domicílio.

O diretor de Fiscalização de Obras da Agência de Fiscalização do DF, José Airton Lira, acredita que a impunidade e a especulação imobiliária são estímulos às invasões. ¿Os grileiros não veem ninguém punido e preferem apostar nessa atividade, que infelizmente é muito lucrativa. A impunidade certamente é um dos motivos que dificultam ainda mais o controle do surgimento de novas invasões¿, comenta José Airton.

Além da sensação de impunidade que impera entre os invasores de terras, muitos são beneficiados por decisões judiciais que impedem a derrubada de construções irregulares em áreas públicas ou particulares. Um exemplo disso é o condomínio Estância Quintas da Alvorada, no Lago Sul. As terras são da Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap), mas os compradores de lotes ilegais questionam na Justiça a propriedade dos terrenos, alegando tratar-se de área particular.

O parcelamento não faz parte das áreas passíveis de regularização do DF e a Terracap garante que nada será legalizado. O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) nº 02/2007, assinado entre o governo e o Ministério Público do DF há quase quatro anos, prevê a venda direta apenas nos casos em que as construções foram concluídas antes de janeiro de 2007. A maioria das casas erguidas no Estância Quintas da Alvorada ficou pronta depois desse prazo.

Liminar Em dezembro do ano passado, a Sudesa derrubou 49 casas no parcelamento mas, no dia seguinte, os moradores conseguiram uma liminar que impediu a demolição de outras 131 construções ilegais. Sem a retirada das obras, a comunidade do condomínio sentiu-se à vontade para continuar a erguer as casas e a fazer a infraestrutura do parcelamento. Na última quinta-feira, o Correio flagrou um caminhão, um trator e funcionários de uma empresa particular colocando postes de iluminação no Estância Quintas da Alvorada.

A síndica do condomínio, Leda Cavalcanti, negou que haja obras em andamento. ¿Desde dezembro do ano passado, proibimos qualquer obra. Vetamos até a entrada de caminhões de construção no Estância Quintas da Alvorada¿, garantiu Leda. Questionada sobre a instalação de energia elétrica, ela disse que os funcionários contratados estavam apenas substituindo postes. ¿Um caminhão de entrega de eletrodomésticos derrubou quatro postes. Pedimos autorização para fazer essa substituição¿, afirmou. A líder do condomínio já foi presa em outubro de 2009, acusada de crime ambiental. Na ocasião, agentes da Sudesa flagraram uma retroescavadeira alargando ruas e retirando parte da vegetação nativa.

Análise da notícia A história de Brasília se confunde com o passado de invasões de terras públicas e particulares. Com a conivência silenciosa de autoridades, grileiros fatiaram indiscriminadamente o território da capital federal nos últimos 30 anos. Esses parcelamentos construídos sem a devida aprovação dos órgãos competentes trouxeram o caos urbanístico e ambiental. Vários avanços foram feitos para regularizar essas áreas e o controle para evitar o surgimento de novas invasões aumentou substancialmente. Mas a fiscalização ainda não é totalmente eficaz para acabar com a farra dos condomínios em Brasília.

Se nos anos 1980 e 1990 muitas pessoas foram enganadas com documentos falsos, hoje em dia, não se pode mais falar em compradores de boa-fé. É fácil ter acesso a informações para comprovar se um terreno está ou não legalizado. Se há criminosos vendendo imóveis ilegalmente é porque existem pessoas querendo se dar bem. Um lote de R$ 400 mil que é oferecido por menos de R$ 40 mil não pode ser algo lícito.

Mas se há brasilienses que insistem nessa prática, cabe ao governo fazer com que os planos de construir ilegalmente não prosperem. Cenas atuais, como a dos tratores abrindo ruas e colocando postes de luz no condomínio Estância Quintas do Alvorada, por exemplo, são um desrespeito enorme com os cidadãos que agiram dentro da lei. Se nada for feito, mais uma grilagem vai se transformar em parcelamento. E aqueles que apostaram no crime e na cultura da invasão sairão vitoriosos. (HM)