Título: O PSDB, vinte anos depois
Autor: Roma , Celso
Fonte: Valor Econômico, 25/06/2008, Opinião, p. A12

O Partido da Social Democracia Brasileira completa hoje vinte anos. Ainda influente no cenário político, o PSDB transitou do sucesso eleitoral na década de 1990 à crise de identidade nos últimos anos, apresentando, em seu histórico, problemas crônicos. O partido lida com desafios que o acompanham desde o seu surgimento.

A vocação presidencial do PSDB já esteve presente em sua origem. A legenda foi criada em 1988 para tornar viável a candidatura de Mário Covas à primeira eleição direta para presidente na atual democracia. Bem posicionado nas pesquisas de intenção de voto, o parlamentar do PMDB enfrentava resistência de correligionários para levar a cabo seu objetivo, devido, sobretudo, à oposição que lhe era feita por Orestes Quércia no diretório paulista. A fundação do PSDB, avalizada por um grupo de senadores e deputados federais, viabilizou o nome de Mário Covas para o pleito de 1989.

A partir de então, os tucanos passaram a concentrar seus esforços na conquista do cargo mais cobiçado do país: a Presidência da República. O partido obteve êxito em duas ocasiões e fracassou em outras duas subseqüentes. Venceu as disputas de 1994 e 1998, elegendo e reelegendo, em primeiro turno, Fernando Henrique Cardoso presidente. Perdeu as eleições de 2002 e 2006, em segundo turno, para o petista Luis Inácio Lula da Silva. Para 2010, o PSDB dispõe de três nomes capazes de concorrer com o candidato a ser apresentado pelo PT, o seu principal adversário em nível nacional. José Serra, Geraldo Alckmin e Aécio Neves competem pela única vaga disponível no partido.

A disputa dessa candidatura agrava os problemas estruturais do PSDB. De acordo com o estatuto em vigência, a escolha pode ser feita por meio de prévias ou de reunião com os membros do diretório nacional. Mas, devido à prática de concentrar poder nas lideranças, o partido não conseguiu, até agora, consultar o conjunto de filiados. Ao serem excluídos das instâncias decisórias, os militantes sentem-se desmotivados para mobilizar votos e recursos necessários ao funcionamento do partido. Os líderes são impelidos a lutar pelo controle do diretório nacional, acirrando a rivalidade entre os dirigentes, especialmente de São Paulo e Minas Gerais. Esse conflito ameaça, inclusive, a permanência de nomes como José Serra e Aécio Neves. Sem o aval da maioria dos filiados, o candidato, depois de ser nomeado, necessita provar sua legitimidade e desfazer a imagem transmitida ao público de uma organização incapaz de resolver suas querelas.

O PSDB tem, ainda, dificuldade de se autoposicionar no espectro ideológico. A legenda se deparou com o problema, pela primeira vez, em 1989. A campanha eleitoral de Mário Covas defendia uma agenda alheia à social-democracia estampada na sigla do partido. Sob o lema "choque de capitalismo", sua plataforma reunia, naquele momento, propostas de liberalização da economia, reforma do Estado e abertura do país ao mercado mundial. Com a derrota nas urnas, os tucanos refrearam seu ímpeto reformista por algum tempo, embora haja registro de que suas bancadas de parlamentares apoiaram o presidente Fernando Collor em votações de matérias comuns em suas agendas.

Devido à concentração de poder nas lideranças, o partido exclui os filiados das decisões, deixando os militantes desmotivados

A linha programática dos tucanos se tornou clara em 1993. No governo Itamar Franco, os auto-intitulados de centro-esquerda se uniram a PFL, PMDB, PPB e PTB para, de início, apoiar um plano de controle da inflação. Essa aliança parlamentar foi transposta para a disputa da eleição presidencial do ano seguinte, com base num compromisso de futuro governo voltado para a entrada de capital estrangeiro no setor de petróleo e telecomunicações; a mudança do conceito de empresa de capital nacional; a revisão dos critérios de aposentadoria dos trabalhadores; o abrandamento da estabilidade dos funcionários públicos; a quebra do monopólio estatal em setores-chave da economia; o corte de gastos públicos; a responsabilidade fiscal; a aprovação do direito de reeleição para os ocupantes de cargos eletivos no poder Executivo; entre outros temas.

Depois de perder o apelo junto aos eleitores, no final do segundo mandato de Fernando Henrique, o programa do PSDB foi relegado ao segundo plano por seus candidatos a presidente. Em vez de defender o legado do partido, eles privilegiaram metas eleitorais de curto prazo e, para agravar o quadro, suas bandeiras na área econômica foram encampadas pelo PT. Com isto, os eleitores deixaram de ter uma referência positiva da gestão tucana, permanecendo em sua memória os aspectos negativos propagados pelos rivais. Os líderes do PSDB demoraram a perceber o problema. O novo programa foi apresentado, finalmente, em novembro do ano passado. Esse documento explicita, com ineditismo, tanto a defesa da gestão Fernando Henrique quanto a condenação do governo Lula.

Em razão desses erros cometidos, o PSDB obteve, além de duas derrotas consecutivas na corrida presidencial, desempenho declinante nas eleições da Câmara dos Deputados e do Senado. Em 1998, elegeu 99 deputados. Em 2002, esse número caiu para 71 e, em 2006, para 66. Entre 2002 e 2006, o número de senadores eleitos caiu de oito para cinco. Essa queda na representação foi agravada pela infidelidade de parlamentares tucanos.

Por outro lado, mesmo afastado do governo federal, o PSDB manteve sua força nos Estados e municípios do país. Conquistou seis governos em 1994; sete em 1998 e 2002, e seis em 2006. Nas assembléias estaduais, o número de cadeiras obtidas subiu de 97 em 1994 para 153 em 1998; de 139, em 2002, para 152 em 2006. Em nível local, obteve 921 prefeituras em 1996; 990 em 2000; e 871 em 2004. Nas capitais, o número de prefeitos tucanos subiu de quatro, em 1996 e 2000, para cinco, em 2004. Nas câmaras municipais, passou de 8.368 eleitos em 1996 para 8.517 em 2000. É, atualmente, o segundo partido que mais elege governadores, deputados estaduais, prefeitos e vereadores, estando atrás do PMDB.

Mas, para retornar ao Palácio do Planalto, objetivo que remete à sua origem e vocação, o PSDB precisa convencer os eleitores de que seu projeto de governo é pertinente e está inacabado.

Celso Roma é doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e especialista em partidos políticos e eleições.