Título: Mudança na composição do Fed traz preocupação
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Fonte: Valor Econômico, 25/06/2008, Finanças, p. C7

O presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, deve enfrentar em breve um desafio delicado no controle da política monetária americana, porque o comitê de política monetária do banco central dos Estados Unidos vai ficar temporariamente menor.

Um impasse entre os senadores democratas e o governo de George W. Bush deve deixar abertas três vagas no Comitê Federal de Mercado Aberto, o equivalente americano ao Copom no Brasil. É a primeira vez que isso acontece desde que a atual estrutura foi criada, em 1935. Isso pode fazer com que a influência no comitê tenda para os cinco presidentes dos Feds regionais que participam dele.

Esses presidentes, ao contrário dos sete diretores baseados em Washington do comitê, não são indicados pelo presidente da República ou confirmados pelo Senado. Recentemente, vários desses presidentes receberam maior atenção por assumirem posições mais favoráveis à alta dos juros - dando prioridade maior à inflação do que à preocupação com o crescimento. Dois deles têm sistematicamente discordado dos votos do comitê este ano.

A expectativa é de que o Fed deixe a taxa de juros inalterada em 2% quando concluir hoje sua reunião de dois dias, apesar das apostas do mercado futuro de que elevará as taxas de juros ainda este ano.

A mudança de atitude do comitê não vai afetar radicalmente o curso do Fed no curto prazo. Mas pode forçar Bernanke a adotar uma posição de maior preocupação com a inflação e criar o problema de como comunicar essa posição. O conselho de diretores do Fed "tem funcionado como um importante contrapeso à tendência de preocupação com a inflação de muitos presidentes de Feds", disse Laurence Meyer, ex-diretor do Fed e vice-presidente da empresa de estudos econômicos Macroeconomic Advisers. A lacuna em Washington poderia fazer o comitê de política monetária ficar, "de uma certa maneira, por enquanto, mais favorável à alta dos juros", disse.

O comitê de política monetária dos EUA tem 12 membros que votam: sete diretores (ou governadores) em Washington e cinco presidentes regionais. Quatro deles se alternam nas votações e o presidente regional do Fed de Nova York tem sempre direito a voto. Com dois cargos de governadores vagos e um terceiro prestes a vagar, os presidentes regionais logo vão ter maioria.

De acordo com a tradição, os membros do comitê votam por consenso. São raros os casos em que mais de dois membros discordam de uma decisão e não se sabe de nenhuma ocasião em que o presidente do Fed tenha sido voto vencido. Mas Bernanke não pode presumir que o apoio do comitê é garantido. Se os membros do colegiado ficarem mais preocupados com a inflação, Bernanke e alguns outros - como o vice-presidente do Fed, Donald Kohn, e o presidente do Fed de Nova York, Timothy Geithner- vão ter que dar duro para redigir comunicados divulgados logo após as reuniões que traduzam consenso nas discussões. Isso pode levá-los a se alinhar aos presidentes regionais para manter a unidade do Comitê.

"O grupo central vai precisar pensar em decisões que mantenham a dissidência limitada a dois membros. Caso contrário, vamos começar a ver questionamentos sobre a credibilidade ou fortaleza da política", disse Peter Hooper, economista-chefe do Deutsche Bank Securities em Nova York.

Bernanke, que já ocupa o cargo há quase dois anos e meio, é elogiado por incentivar mais questionamentos e debates nas reuniões a portas fechadas do Fed, em vez de simplesmente confiar em mecânicas apresentações. Isso pode ajudá-lo a reter a confiança dos colegas e evitar uma cisão profunda no comitê.

Mesmo assim, as duas últimas reuniões contaram com dois votos dissidentes nas decisões sobre a taxa de juros, provenientes de autoridades que preferem uma atitude mais rígida do que a escolhida pela maioria. Todas as quatro reuniões anteriores a essas também contaram com um voto discordante. Muitas autoridades consideram isso um indício de um processo sadio, e de que a minoria não necessariamente pretende impor suas opiniões. "É um debate honesto e intelectual", disse numa entrevista recente ao Wall Street Journal o presidente do Fed regional de Dallas, Richard Fisher. "Eu não acho que alguém esteja tentando convencer o resto (...) Depende do grupo decidir se é válido ou não." Fisher discordou das decisões em todas as três oportunidades que teve para votar este ano. Entre os 12 presidentes de Feds regionais, Fisher é um dos quatro que participam este ano do revezamento no voto.

Mesmo assim, pode ser que Bernanke só tenha mesmo que se impor quando achar que a situação é grave, como quando convocou uma reunião de emergência e baixou os juros para tentar evitar a implosão das bolsas mundiais.

A mudança na composição do comitê também complica a maneira como o Fed se comunica. Entre uma reunião e outra, a expectativa do público sobre o rumo dos juros é influenciada pelos comentários que as autoridades fazem em discursos e entrevistas. Bernanke já falou mais do que qualquer outra autoridade do Fed. Ele fez nove discursos desde a última reunião do Fed, enquanto Kohn fez cinco, segundo uma contagem da firma de pesquisas Wrightson Icap. Mas as quatro autoridades mais pessimistas do Fed, por sua vez, se equipararam com um total de 13 discursos ou entrevistas, apesar de sua influência sobre a política monetária ser menor.

Bush indicou duas pessoas para as vagas existentes e indicou novamente o governador Randall Kroszner, cujo mandato tinha vencido mas que continuará no posto até ser confirmado novamente ou ter um sucessor definido. Mas o senador democrata Christopher Dodd, que preside o Comitê Bancário do Senado, deu sinais de que não tem pressa para agir. O comitê não mencionou os indicados ao Fed sob consideração durante uma audiência sobre as escolhas do governo marcada para hoje. Além de Bernanke, Kohn e Kroszner, o outro diretor remanescente será Kevin Warsh. O diretor Frederic Mishkin pretende deixar o cargo em 31 de agosto.

Apesar de sua função mais importante ser a de estabelecer os juros, o Fed também tem uma posição central na supervisão dos bancos do país e na fiscalização dos sistemas de pagamento. Os diretores também participam de várias reuniões internacionais de banqueiros centrais, com longas viagens ao exterior, e também têm de supervisionar os 12 bancos regionais do Fed.

O Fed foi forçado recentemente a prestar mais atenção à regulamentação e aos problemas das pessoas físicas, para reagir a antigas limitações na legislação do mercado de hipotecas. E, diante dos espasmos da crise financeira, alguns políticos em Washington querem lhe dar mais autoridade para manter a estabilidade do mercado financeiro.

"O trabalho do Fed não é manter o status quo", disse Lou Crandall, economista-chefe da Wrightson Icap. "Os mercados não estão agüentando."

Duas questões cruciais que pairam sob o Fed neste momento: como fiscalizar os bancos de investimentos que podem obter empréstimos do Fed, de acordo com a autoridade temporária do Conselho de Diretores do banco central; e se é necessário estender essa janela de empréstimos para depois de setembro.