Título: A burocracia e os projetos de PPPs federais no Brasil
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 25/06/2008, Legislação & Tributos, p. E4
Em dezembro deste ano a lei federal que disciplina as normas gerais para a contratação de parcerias público-privadas (PPPs) completa quatro anos. Nesse período, diversos Estados da federação - como Bahia, São Paulo e Minas Gerais - já utilizaram esse instrumento em empreendimentos de saneamento básico, na construção de presídios e na área de transportes. Municípios como Salvador e Belo Horizonte também se beneficiaram das parcerias. E no mês passado ficou decidido que a primeira PPP federal será na área de irrigação: o Projeto Pontal deverá ser implementado no semi-árido de Pernambuco.
A grande vantagem da parceria público-privada, tanto para o ente público quanto para o parceiro privado, reside na estabilidade de regras para garantia das obrigações assumidas nos contratos. A existência de um fundo garantidor da contraprestação pública limita os riscos de desequilíbrio fiscal do parceiro público, ao mesmo tempo em que confere ao particular a possibilidade de programação de investimentos de longo prazo. Pela lei federal, um contrato de PPP pode se estender por até 35 anos. E justamente a confiança no cumprimento do contrato, aliada à estabilidade econômica alcançada pelo Brasil nos últimos anos, é que permitem a obtenção do financiamento necessário ao desenvolvimento dos projetos sob a modalidade de PPPs.
Feitas tais considerações seria de se concluir que o modelo é um sucesso e será adotado nos diversos empreendimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Infelizmente, não é essa a realidade. A primeira PPP federal ainda engatinha, recém-encaminhada que foi para a análise do Tribunal de Contas da União (TCU). Qual a razão, portanto, da subutilização de tão importante instrumento para o desenvolvimento do país, nas palavras exaustivamente utilizadas por representantes do governo federal?
Poderia se dar crédito para o atraso na regulamentação total da lei, já que somente em agosto de 2006 foi editada a portaria do Ministério da Fazenda que disciplina a consolidação das normas contábeis dos contratos das PPPs. Ainda assim, já se vão quase dois anos da edição dessa norma e são mínimos os avanços no plano federal, ao passo em que Estados e municípios utilizam o instrumento em larga escala. Alguns detalhes, no entanto, podem explicitar as dificuldades para se desenvolver uma parceria federal.
O trâmite administrativo até a licitação consome mais de dois anos, muito tempo para um país com tantas carências
Com efeito, a Lei das PPPs determinou a criação de um órgão centralizado com a finalidade de criar condições para o desenvolvimento dos contratos de parceria. O Comitê Gestor de PPP Federal é responsável por autorizar a realização de licitações e fiscalizar a execução de contratos, além de aprovar a apresentação de estudos necessários para uma PPP. Em razão da excessiva centralização na figura do conselho gestor, a colaboração da iniciativa privada na elaboração de levantamentos para a realização de PPPs configuraria um necessário arejamento na definição de empreendimentos a serem implementados pelo novo instrumento. No entanto, ao contrário de outras normas, no âmbito da PPP federal, a apresentação desses elementos está condicionada à indicação de uma solicitação prévia do conselho gestor. Ou seja, a parceria entre o setor público e a iniciativa privada restou injustamente limitada no momento da concepção do projeto.
Outro ponto a ser destacado como possível entrave à plena utilização das PPPs no plano federal é a sobreposição de controles, e sua rigidez, no desenvolvimento de um empreendimento. Sem embargo da necessidade de plenos controles - internos e externos - sobre a administração, parece que a excessiva burocratização do procedimento de concepção de uma PPP federal praticamente inviabilizou sua plena utilização pelos órgãos e entidades da União, desestimulando a sua opção pelo administrador - que precisa apresentar resultados para as necessidades do país.
Um determinado empreendimento, para ser gestado como PPP, necessita enquadrar-se em uma definição preliminar do conselho gestor. Depois de realizados os estudos, os documentos são colocados em consulta pública durante 30 dias, no mínimo. A despeito de não haver previsão na Lei das PPPs, todo o material segue para análise do TCU, para, somente depois desse trâmite, seguir à contratação. Envolvem-se neste procedimento, destarte, ao menos quatro ministérios - Planejamento, Fazenda, Casa Civil e o ministério setorial - além da sociedade civil e do TCU, este último com o papel de chancelar ou não os números do empreendimento, situação somente compreensível pela realidade nacional. O chamado controle concomitante pelo TCU acabou se transformando em mais uma etapa do procedimento.
A julgar pelo pioneiro Projeto Pontal, toda essa tramitação administrativa até a fase da licitação consome mais de dois anos, entre a identificação da necessidade e a produção dos documentos que instruirão o edital de licitação. É muito tempo para um país com tantas carências de infra-estrutura.
Sebastião Botto de Barros Tojal, Jorge Henrique de Oliveira Souza e Igor Tamasauskas são, respectivamente, advogado e professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP); e advogados do escritório Tojal, Teixeira Ferreira, Serrano e Renault Advogados Associados
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