Título: Para negociadores, Argentina está isolada no Mercosul
Autor: Moreira , Assis
Fonte: Valor Econômico, 27/06/2008, Brasil, p. A2

O racha entre a Argentina e o Brasil, envolvendo proteção para as indústrias do Mercosul no acordo da Rodada Doha, ilustrou o isolamento de Buenos Aires no bloco, interpretam importantes negociadores em Genebra. E eles perguntam até que ponto Buenos Aires aguentará bloquear a negociação global.

Peter Allgeier, embaixador dos Estados Unidos na Organização Mundial do Comércio (OMC), disse ao Valor que não ficou surpreso com o racha de Argentina e Brasil. Para Allgeier, a proposta de flexibilidade para o Mercosul arrancada pelo Brasil e rejeitada agora pela Argentina, pode ajudar para um entendimento na OMC.

Alguns embaixadores entendem que não só a Argentina, mas outros vão assumir seus interesses nacionais de maneira mais incisiva, com a aproximação da reunião ministerial, para tentar obter mais concessão dos parceiros.

O que chamou mais a atenção nos círculos comerciais foi a maneira como o isolamento da Argentina no Mercosul explodiu em plena reunião na qual o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, fixou a data de 21 de julho para começar o encontro ministerial com os principais países para tentar salvar Doha.

O representante argentino, Néstor Stancanelli, considerou "inaceitável" a flexibilidade adicional para o Mercosul, e o embaixador brasileiro, Clodoaldo Hugueney, retrucou que quem tinha um problema era a Argentina, não o Mercosul. O Uruguai apoiou o Brasil. Nenhum país se manifestou a favor de Buenos Aires, segundo participantes.

O mais curioso, observam fontes que tiveram acesso aos detalhes da mais recente proposta para o Mercosul, é que a Argentina terá ainda mais espaço para proteger sua indústria, com cortes tarifários menores, comparado ao texto original do mediador.

A avaliação mais comum em Genebra é de que Buenos Aires, de fato, quer arrancar novas concessões do Brasil. O comércio exterior dos dois países é diferente, tanto em tamanho como em composição. O Brasil tem um comércio exterior mais diversificado, enquanto as importações da Argentina estão concentradas em menos linhas tarifárias. Assim, a proteção que cada um deseja também é diferente. Nesse contexto, fontes estimam que Buenos Aires na verdade quer poder incluir mais linhas tarifárias sensíveis na lista do Mercosul, que não coincidem necessariamente com as do Brasil.

Agora o mediador da negociação industrial, o canadense Don Stephenson, vai convocar o Mercosul e os outros países na semana que vem, para discutir mais sobre as flexibilidades para o bloco, como também sobre acordos setoriais e outros temas não resolvidos. O diretor-geral da OMC fez uma aposta arriscada com a ministerial para julho, diante das persistentes divergências entre exportadores e importadores. Os últimos três encontros ministeriais fracassaram.