Título: Governo amplia conceito de paraíso fiscal
Autor: Goulart , osette ; Baeta , Zínia
Fonte: Valor Econômico, 27/06/2008, Brasil, p. A3

O governo federal ampliou o conceito de paraíso fiscal e alterou as regras de preço de transferência que vão afetar significativamente as empresas que, por exemplo, usam estruturas societárias em Delaware, nos Estados Unidos, e no Uruguai para pagar menos imposto de renda. O novo conceito passa a contemplar não só países que ofereçam baixa tributação, mas também regimes fiscais privilegiados. Isto significa, segundo fontes da Receita Federal, que países como Filipinas e Panamá vão deixar de ser considerados paraísos fiscais. Apesar de os países saírem da lista, as operações que se enquadrem no conceito de regime privilegiado continuam a ser taxadas.

As mudanças estão inseridas na conversão da Medida Provisória nº 413 na Lei nº 11.727, publicada nesta semana, que trata de incentivos ao turismo. A Lei alterou o artigo 24 da Lei 9.430, que trata de regras de preço de transferência. Se por um lado países vão deixar a lista negra da Receita Federal, outros podem passar a fazer parte. Até então eram considerados paraísos fiscais os países que não tributem a renda ou com uma alíquota máxima inferior a 20%. Agora este conceito prevê ainda que países, ou seus Estados, que não obriguem a divulgação da composição societária de companhias também se enquadrem nesta modalidade.

Outra mudança importante foi justamente a alteração dessas regras de preço de transferência que determinam a apuração do Imposto de Renda por um lucro mínimo a ser auferido pelas empresas ao negociar mercadorias com suas coligadas no exterior. Segundo o artigo 24A, também inserido na Lei 9.430, as operações comerciais de empresas brasileiras realizadas com empresas que possuam regimes fiscais privilegiados serão tributadas seguindo os cálculos de preço de transferência, mesmo que a empresa estrangeira não seja coligada ou relacionada. Neste caso, o resultado é uma tributação maior.

O entendimento da Receita Federal por regime fiscal privilegiado inclui empresas ou operações que: não sejam tributadas ou com alíquota máxima inferior a 20%, não tenham substância econômica, aplique alíquota inferior a 20% de rendimentos auferidos no exterior, e não permita o acesso a relações de composição societária ou às operações econômicas realizadas. O conjunto dessas regras afeta diretamente o Estado de Delaware, nos Estados Unidos. Lá não existe o registro em órgão oficial dos sócios e a renda auferida no exterior não é tributada, entre outras vantagens. Logo, as empresas brasileiras que importem ou exportem de companhias localizadas naquele Estado passam a ter uma tributação de Imposto de Renda maior no Brasil.

O mesmo vai acontecer com países do Leste Europeu, segundo fontes da Receita Federal. O fisco vai editar até o fim do ano uma norma listando todos os países e regimes que se enquadram no novo conceito. Serão feitas duas listas. Uma com os "países paraísos fiscais" e outra com "regimes com características de paraísos fiscais". É neste bojo que alguns deixam de ser listados, como Filipinas e Panamá. E outros como o Uruguai passam a fazer parte da segunda lista. "Essas alterações dão mais liberdade para o governo alcançar situações que não conseguia antes", afirma Eduardo Fleury, do Fleury Advogados.

O Uruguai sempre foi considerado um paraíso fiscal mas nunca foi taxado pelo Brasil por razões políticas. Os advogados acreditam que desta vez ele possa ser incluído em função de a nova lei dizer que as normas poderão ser aplicadas de forma excepcional a países que compõem blocos econômicos do qual o Brasil participe. "Esta é uma mensagem clara para o Uruguai", diz Roberto Haddad, sócio da KPMG.

O advogado Luiz Felipe Ferraz, do escritório Demarest e Almeida, diz que a nova lei conceitua o que seja considerado regime privilegiado, mas não esclarece o que seja regime fiscal. "Pelo sentido do texto, acredito que seria o regime ao qual a renda decorrente da operação estaria sujeito - e não a renda toda da empresa", diz Ferraz. Isto pode ampliar o leque ainda mais, se envolver apenas operações e não as empresas como um todo. "No entanto, alguns incisos fazem referência à renda como um todo e por isso a Receita vai precisar fazer maiores esclarecimentos."

Outro ponto que preocupa o mercado são as operações estruturadas e transferências de ações, segundo o sócio da área tributária da Ernst & Young, Ricardo Assunção. Isso porque as regras de preço de transferência prevêem que também estas operações sejam tributadas. Ao vender suas ações para uma empresa que esteja em Delaware ou no Uruguai, as empresas que estão no Brasil terão que calcular o preço de venda com base em um dos métodos previstos nos preços de transferência que exige um mínimo de 15% de lucro.

Os investimentos estrangeiros feitos via Resolução 2689, do Banco Central, que são aquelas feitas por fundos de private equity via fundo de investimento em participação (FIP) não serão afetadas, diz o advogado Paulo Vaz do escritório Levy & Salomão. Isto porque a Medida Provisória que regulamenta estes investimentos não é afetada pela mudança de redação da Lei 9.430. A advogada Simone Musa, do escritório Trench, Rossi e Watanabe, lembra que que somente investimentos diretos serão afetados em função da mudança do artigo 24. Ganhos de capital, serviços e remessa de royalties passam a ser tributados a alíquota de 25% se forem enviados a países que se enquadrem no novo conceito de paraíso fiscal.