Título: Cadeia para espertinhos
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Fonte: Correio Braziliense, 20/02/2011, Opinião, p. 22

A condenação de dois importantes ex-executivos da Sadia, gigante do setor de alimentos, por terem usado informações privilegiadas para ganhar dinheiro com ações na base da folclórica Lei de Gerson, merece comemoração. Afinal, é a primeira vez que alguém é punido no Brasil por esse tipo de crime (previsto em lei), mas, certamente, não foram eles os primeiros a recorrer a essa esperteza (insider trade) para levar vantagem no mercado de capitais. A novidade sinaliza que as coisas estão mudando e que a parceria entre a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ¿ xerife do mercado ¿ e o Ministério Público Federal (MPF) achou o caminho para chegar aos que insistem em viver nos primórdios do mercado, sem lei, sem fiscalização.

Ocupando posições na alta administração da empresa ¿ um era diretor de finanças e de relações com o mercado, o outro era membro do conselho de administração ¿ os dois tiveram acesso, em 2006, como todos os colegas do mesmo nível, à informação de que a Sadia, então líder de mercado, preparava uma oferta agressiva de compra da maior concorrente, a Perdigão. São assim chamadas as tentativas de assumir o controle do capital de uma empresa por outra, sem a concordância dela, por meio da oferta ampla de compra de ações pulverizadas no mercado. Sempre que isso ocorre, a cotação das ações da empresa assediada experimenta imediata e forte alta. Enquanto os outros milhares de investidores desconhecem, o insider trade antecipa a compra do maior número possível das ações para, tão logo explodirem as cotações, vendê-las com grande ganho.

Tentando despistar as autoridades, como costumam fazer os que se acham mais espertos do que o resto da humanidade, os dois executivos compraram ações da Perdigão na bolsa de Nova York. Foram descobertos. (As operações em bolsa são registradas e é sempre possível verificar se houve, em determinado período, movimentação anormal de qualquer papel.) Confrontadas com os dados financeiros e patrimoniais dos executivos e assessores das empresas envolvidas, as operações acabam por denunciar os autores. O juiz da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo condenou ambos a um ano e meio de prisão (pena que pode ser convertida em serviços à comunidade) e ao pagamento de multa de R$ 374,9 milhões.

País que aspira manter o crescimento sustentável da economia e ocupar posição de destaque no mercado internacional, o Brasil precisa de investimentos na oferta de infraestrutura e na capacidade de competição das empresas nacionais. Comprometidos com prioridades na educação, saúde e segurança pública, os recursos públicos têm limitações compreensíveis quanto ao financiamento de ativos fixos a juros menos elevados que os do sistema bancário. Por sua vez, o mercado de ações vem mostrando vitalidade que recomenda cuidar de seu fortalecimento como melhor alternativa de capitalização das empresas públicas e privadas. E isso começa com a profissionalização de quem opera e a confiança de quem investe. Sem isso, nada feito. Comparada ao que se faz em praças mais adiantadas, a condenação dos dois colarinhos-brancos foi leve e demorada. Mas é, sem dúvida, bom sinal.