Título: Discussão sobre PIB potencial ganha força
Autor: Lamucci , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 27/06/2008, Brasil, p. A6

Com o forte crescimento da demanda e a recente alta dos preços, voltam a ganhar força as discussões sobre o crescimento potencial do país. Objeto de controvérsia, o conceito indica o nível máximo que a economia pode crescer sem provocar aceleração inflacionária, e é tido por economistas ortodoxos como uma ferramenta importante para a condução da política monetária. Boa parte das estimativas aponta para uma taxa entre 4% e 4,5%, embora haja quem diga que o Produto Interno Bruto (PIB) potencial esteja na casa de 5%. Há, porém, quem não acredite na utilidade do conceito, como o ex-ministro Antonio Delfim Netto, que não se cansa de atacá-lo e de ironizar os que lhe atribuem importância para definir o rumo dos juros.

Para o ex-diretor do Banco Central (BC) Alexandre Schwartsman, economista-chefe do Santander, o atual momento da economia brasileira ajuda a reabilitar o conceito no Brasil. A combinação de aumento da utilização de recursos - elevação da capacidade instalada e redução da taxa de desemprego - com alta mais forte dos índices de preços deixa claro que o país cresce acima do potencial, diz ele.

O PIB avançou 5,4% em 2007 e deve crescer cerca de 5% neste ano. A inflação, que no ano passado ficou em 4,5% - o centro da meta perseguida pelo BC -, já está em 5,58% nos 12 meses até maio. Alguns analistas vêem o risco de que ela supere 6,5% em 2008 - o teto da margem de tolerância, de dois percentuais. Um crescimento com a inflação se desgarrando da meta indica que a economia avança acima do seu potencial, afirma ele.

"Não se trata obviamente do único fator a ser levado em conta para a condução da política monetária, mas é um instrumento importante", afirma Schwartsman. Para ele, num quadro em que a taxa de investimento corresponde a cerca de 18% do PIB, o crescimento potencial do Brasil está na casa de 4% a 4,5%. Schwartsman ressalta que o número muda ao longo do tempo, mas ressalta que a alta é menos veloz do que muitos supõem. Segundo ele, uma alta do investimento equivalente a 1% do PIB aumenta o crescimento potencial em 0,2 a 0,25 ponto percentual. "É verdade que o investimento acelera o crescimento potencial, mas isso não ocorre imediatamente." Schwartsman estima que, no setor industrial, as inversões se traduzem em aumento da capacidade instalada depois de 12 a 13 meses. Em 2006, o investimento cresceu 10%, ritmo que se acelerou para 13,4% no ano passado. Para este ano, a expectativa é de mais um aumento na casa de dois dígitos.

O economista Armando Castelar, analista da Gávea Investimentos, também acredita que o PIB potencial esteja entre 4% e 4,5%. Como Schwartsman, Castelar o vê como uma ferramenta útil, mas não como o único critério a ser levado em conta. O analista diz ainda que o conceito está presente em muitas análises, mesmo quando não há uma referência explícita a ele. Quando alguém afirma que o resultado em conta corrente (transações de bens, serviços e rendas do país com o exterior) se deteriora rápido demais ou que a inflação aumenta muito, uma das idéias por trás do raciocínio é de que o crescimento supera o seu potencial, diz Castelar. Depois de fechar 2007 com superávit de 0,1% do PIB, a conta corrente deve ter déficit de 1,5% a 2% do PIB neste ano.

Julio Bittencourt/Valor Schwartsman: PIB potencial não é única ferramenta para definir a política monetária, mas é instrumento relevante Inimigo número um do PIB potencial, Delfim classifica o conceito como "vigarice". Ele rechaça a idéia de que o Brasil não pode crescer mais de 4% a 4,5% sem provocar pressões inflacionárias indesejáveis. "É a mesma besteira de quando diziam que o PIB potencial era de 3% a 3,5%." Esse número aparecia em vários cálculos antes da mudança da metodologia de cálculo do PIB, divulgada no ano passado, que revisou para cima o ritmo de expansão da economia brasileira.

Uma das metodologias mais utilizadas para calcular o PIB potencial é uma função de produção que leva em conta o estoque de capital, o de mão-de-obra e a produtividade total dos fatores. Para Delfim, é um método precário. Ele diz que há dificuldades para medir o estoque de capital e acrescenta que ela não contempla um fator fundamental: o empresário.

Em artigo para o Valor, Delfim já definiu a produtividade como "um caixa preta", um resíduo calculado pela diferença entre o crescimento efetivamente registrado e o aumento dos fatores capital e mão-de-obra. "Mesmo com esses problemas, quem calcula o PIB potencial passa a impressão de que está fazendo ciência." Ele diz que o Brasil não está preparado para crescer hoje a 7% ou 8% - para isso, é necessário que o governo reduza o seu peso na economia -, mas não vê consistência nas afirmações de que o crescimento não inflacionário se limita a 4% ou 4,5%.

Outra metodologia de cálculo do PIB potencial é a do filtro HP, que estima uma tendência para o crescimento a partir de observações passadas do PIB. Para os seus críticos, reside aí um dos grandes problemas: usar informações passadas, que desconsideram mudanças nas condições da economia.

Um estudo do secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, aponta limitações do conceito de PIB potencial. Segundo ele, essas estimativas têm problemas de confiabilidade, pois o que é visto hoje como um ritmo de crescimento inflacionário pode se revelar amanhã como uma velocidade sustentável. Barbosa observa que, no fim de 2003, os cálculos indicavam uma economia no limite do potencial. Em 2005, se as contas fossem refeitas, as estimativas mostrariam que, dois anos antes, o PIB rodava abaixo do potencial.

Schwartsman e Castelar dizem que há momentos em que a economia pode crescer acima do potencial sem causar inflação, referindo-se a períodos em que há folga na capacidade instalada. Em prazos mais longos, porém, avançar a taxas mais robustas sem pressões inflacionárias depende da elevação do investimento, insistem eles. Castelar estima que, para crescer 5% de modo sustentado, o investimento tem que atingir cerca de 21% do PIB. Na China, essa taxa equivale a cerca de 40% do PIB.

O economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges, é mais otimista: ele acredita que o PIB potencial já estava em 4,9% no primeiro trimestre deste ano, uma aceleração em relação aos 4,5% do quarto trimestre do ano passado. Isso ocorre porque as suas estimativas apontam para crescimento do estoque de capital e da oferta de mão-de-obra de obra no período.

Ao tratar da sustentabilidade do crescimento, Castelar aponta outro desafio: como gerar a poupança para financiar o investimento sem provocar uma deterioração exagerada das contas externas. A poupança doméstica no Brasil é baixa - o equivalente a 17,57% do PIB, bem abaixo dos cerca de 50% do PIB na China. Castelar diz que é fundamental aumentar a poupança do setor público, por meio da redução dos gastos do governo, com o objetivo de evitar que o financiamento do investimento ocorra à custa de uma explosão do déficit em conta corrente.

Delfim, que também insiste na importância de o governo reduzir o seu consumo, combate a idéia de que a poupança precede o investimento. Segundo ele, em sociedades como a brasileira, há evidências de que, no processo de crescimento, o investimento precede a poupança. "Basta ver a nossa experiência. Nos anos 70, o Brasil chegou a crescer 14% ao ano, com inflação declinante."