Título: Crescimento faz da África nova meta de investimento
Autor: Uchoa , Rodrigo
Fonte: Valor Econômico, 27/06/2008, Especial, p. A14

Você colocaria seu dinheiro num país africano que há poucos meses estava à beira da guerra civil, em que conflitos étnicos deixaram mais de mil mortos e 250 mil refugiados internos? Pois na semana passada investidores internacionais correram à Bolsa de Nairóbi para o IPO da Safaricom, maior operadora de celulares do Quênia. Com a venda de ações, o governo deixou de ser majoritário, controlando apenas 35% da empresa, contra 40% da Vodafone Kenya.

O Quênia é um exemplo da "nova fronteira" dos mercados na África que estão atraindo investidores de todo o mundo.

Alguns desses mercados já são conhecidos por causa de sua especialização - petróleo na Nigéria, na Argélia e em Angola; diamantes em Botsuana e Angola; cobre em Zâmbia -, enquanto outros se destacam como novas fronteiras agrícolas - expansão do café em Uganda e do algodão em Camarões -, novos centros têxteis - reestruturação dessa indústria na Tunísia - ou mercados domésticos em expansão.

Essas novas fronteiras vêm atraindo três grandes tipos de investidores: as multinacionais, como a anglo-alemã Vodafone; os investidores aventureiros, em busca de lucros rápidos em mercados ainda pouco regulados e bolsas como a de Zâmbia, cujo índice das principais empresas subiu 525% nos últimos três anos, ou a de Malaui, cujo índice subiu 564% no mesmo período; e claro, países como China e Índia, que precisam garantir acesso a matérias-primas - segundo a Unctad (agência de comércio e desenvolvimento da ONU), o investimento direto chinês no continente passou de US$ 49,2 milhões em 1990 para quase US$ 2 bilhões no ano passado.

"Os mercados africanos deram aos investidores alguns de seus mais robustos ganhos em 2007. Aparentemente essa tendência vem se mantendo", diz o analista David Cottle, da Dow Jones. Para ele, a tendência é de que os investidores busquem bolsas de valores novas, além das do Egito, da Nigéria e da África do Sul, que são as maiores do continente.

Todd Moss, pesquisador do Centro para o Desenvolvimento Global e chefe do Birô de Assuntos Africanos do Departamento de Estado dos EUA, diz que "os investimentos externos diretos na África começaram a crescer de forma mais significativa nos anos 90, para ganhar um volume maior nos anos 2000". Ele aponta Quênia, Tanzânia e Uganda como casos de estudo de países em que, atualmente, empresas estrangeiras são mais produtivas e investem mais do que as domésticas.

Para as grandes empresas, a aposta é de que o crescimento sustentável do continente transformará também seus mercados internos. Como um todo, o continente vem crescendo bem. Segundo uma previsão do Banco de Desenvolvimento da África (BDA), depois de uma média de crescimento de 5,7% em 2007, a África deve continuar sua aceleração para 5,9% tanto neste ano quanto no próximo. Louis Kesekende, economista-chefe do BDA, estima que "31 países africanos terão crescimento maior do que 5% neste ano, contra 25 países no ano passado".

"O crescimento tem ocorrido com uma base mais ampla, embora os países exportadores de petróleo continuem a crescer mais do que os países importadores de petróleo", afirma o último relatório anual do BDA sobre o panorama econômico do continente.

A Argélia é um exemplo de país dependente do petróleo - que é responsável por 95% das exportações e 60% da arrecadação fiscal-, mas que se tornou um mercado atraente de telefonia celular.

Nos últimos quatro anos, o número de assinantes pulou de 1,4 milhão para 28 milhões, atraindo principalmente grupos egípcios, do Qatar e da França.

É uma tendência que se vê em todo o norte da África. No Egito, por exemplo, o setor de telecomunicações e de tecnologia da informação teve um aumento nos investimentos da ordem de 30% só no ano passado.

Na Argélia, o investimento externo direto como um todo chegou a US$ 1,1 bilhão no ano passado. E não ficou restrito ao setor de gás e petróleo, como foi a tendência nos anos 70. Segundo a Câmara de Comércio França-Argélia, o IED francês no país africano, excluindo o setor de petróleo, alcançou US$ 233 milhões em 2007.

Pode parecer pouco quando comparado ao total de IED no continente no ano passado, cerca de US$ 40 bilhões, mas as autoridades argelinas comemoram o status de "país atraente a investimentos" dado pelo Banco Mundial. Até há poucos anos atrás, a legislação socialista era vista como principal motivo de repulsa ao IED.