Título: Bolsa para alugar
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 27/06/2008, EU & Investimentos, p. D1
No ritmo do aumento da participação da pessoa física na Bovespa, do capital externo e da febre dos fundos de arbitragem, os empréstimos de ações têm bombado no mercado brasileiro. Depois do recorde de negociações no ano passado, com giro de R$ 272,4 bilhões (150% superior a 2006), de janeiro a maio os chamados contratos de aluguel movimentaram R$ 152,1 bilhões, 73,4% mais do que o observado no mesmo intervalo de 2007, segundo a Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia (CBLC).
As ofertas públicas iniciais (IPO, na sigla em inglês) que inundaram o pregão ao longo dos últimos anos, ao mesmo tempo que ampliaram a base de investidores individuais na Bovespa, criaram um novo leque de papéis para empréstimos. Só em 2007, foram 64 operações, que contribuíram em larga medida para mais do que duplicar o número de pessoas físicas na bolsa até as quase 480 mil cadastradas em maio último. Com novas empresas na bolsa, também aumentou a atuação dos formadores de mercado, corretoras contratadas pelas companhias para manter ofertas de compra e venda, garantindo liquidez para os ativos. Esses agentes, em geral, não mantêm estoques das ações e é por meio dos empréstimos que atuam, explica o diretor-adjunto de controle de risco da CBLC, Wagner Anacleto.
Em tempos de baixa ou de alta do mercado, emprestar ações é a forma mais corriqueira para se potencializar os ganhos de uma carteira de longo prazo. "O aluguel nada mais é do que remunerar um ativo que ficaria parado, da mesma maneira que um imóvel", diz o diretor de operações Bovespa da Fator Corretora, Antonio Milano Neto. "Se além de ganhar com valorização na bolsa, o investidor conseguir um retorno adicional, isso faz parte da boa prática de gestão do investimento."
Na posição consolidada da quarta-feira, havia no banco de títulos da CBLC, R$ 22,4 bilhões em operações em aberto, número que na semana passada superava a casa dos R$ 24 bilhões e no fim de abril, quando o mercado ainda era de alta, estava em R$ 20,7 bilhões. Com a queda generalizada da bolsa em junho, muitos papéis que estavam cedidos começam a ser devolvidos para seus donos.
Nem tudo que está registrado na CBLC (as operações em aberto) representa um mercado "vendido", que aposta na baixa das ações, diz Christian Keleti, sócio responsável pela corretora de ações da Credit Suisse Hedging-Griffo . Isso porque boa parte das estratégias dos fundos long/short é estruturada por meio de contratos de aluguel. Os gestores arbitram, por exemplo, preços entre pares setoriais, o Ibovespa e papéis que compõem a carteira teórica ou entre uma cesta de ações e o índice. "Os IPOs deram mais possibilidades para o mercado olhar arbitragem", afirma. "Começou 2007, por exemplo, com 10 empresas imobiliárias listadas e terminou com o dobro disso."
A forte participação do capital externo nesse mercado também fomentou a atividade de aluguel, cita Keleti, tanto na ponta doadora (que coloca ações para emprestar) quanto na tomadora (que efetivamente aluga os papéis). "Os estrangeiros têm um estoque muito grande em ações brasileiras, muitas delas em carteiras de médio e longo prazos", afirma. "E, lá fora, as taxas do mercado de aluguel são irrisórias, enquanto aqui há papéis bem atrativos."
As ações ordinárias (ON, com direito a voto) da OHL Brasil, por exemplo, têm ofertas num intervalo entre 20,27% e 20,95% ao ano entre as pontas doadora e tomadora. É mais do que tudo que o papel subiu na bolsa neste ano. O setor imobiliário, que está num eminente movimento de consolidação, também apresenta retornos para lá de convidativos. Rodobens Negócios Imobiliários tem ofertas a 11,24% na média, Camargo Corrêa Desenvolvimento Imobiliário ON pode garantir 10,56%, enquanto o dono de CR2 pode ter um adicional médio de 11,10% ao ano na sua posição de investimento. No setor de varejo, destaque para Marisa ON (13,78%) e Guararapes ON (11,49%). Os frigoríficos JBS ON (10,39%) e Marfrig ON (10,26%), que inauguraram um novo setor na bolsa no ano passado, também não ficam atrás.
Tais taxas têm feito o estrangeiro que aplicava em papéis brasileiros lá fora, na forma de American Depositary Receipts (ADRs, recibos de ações), fazer o caminho inverso, convertendo os seus papéis em ações e trazendo a negociação para o mercado local, diz Anacleto, da CBLC. "Eles têm contribuído para trazer liquidez para papéis que estavam esterilizados." Se, no mercado americano as taxas de aluguel rondam 0,10%, 0,25%, no Brasil, na média, a remuneração é de 3%, compara o técnico.
Em tese, qualquer quantidade de ações pode ser colocada em aluguel, sempre por meio de uma corretora que tem acesso ao sistema da CBLC em tempo real e que vai buscar um tomador no mercado. A oferta e a procura é que definem as taxas de empréstimo e, em geral, quanto menor for o estoque de ações em circulação, maior será o preço que fundos e demais tomadores estarão dispostos a pagar por determinado papel.
Para quem está colocando as ações em empréstimo, não há riscos - a CBLC é sempre a contraparte garantidora - nem custos adicionais, enfatiza o chefe de mesa da HSBC Corretora, José Augusto Miranda. Ele explica que, além de receber, no encerramento do contrato, uma remuneração previamente pactuada, o aplicador continua tendo direito a dividendos e juros sobre capital próprio. A eventual valorização dos papéis na bolsa nesse período também vai fazer diferença na carteira quando as ações voltarem para o dono a um preço maior. Só que, quando isso acontece, as chances de o tomador devolver os papéis antes do vencimento tornam-se maiores. Essa chamada cláusula de reversão só é possível pelo lado de quem pegou ações emprestadas. Nesse caso, o "inquilino" vai pagar o equivalente contratado na forma pro rata.
Durante o período de aluguel, o dono das ações não pode, porém, vendê-las no mercado. No HSBC, se houver essa intenção do aplicador no meio do caminho, a corretora toma emprestado a mesma quantidade de papéis e deposita na conta do cliente, devolvendo os ativos quando voltarem para a custódia original. Outra peculiaridade dos ganhos com empréstimos é que a tributação aplicada é a mesma da renda fixa, com uso da tabela regressiva. Como os contratos têm em geral duração de até 60 dias, o investidor acaba caindo na alíquota mais alta, de 22,5%.