Título: Aumenta a busca por executivos no mercado
Autor: Vieira , Maria Cândida
Fonte: Valor Econômico, 27/06/2008, EU & Carreira, p. D10

Manter a competitividade no mercado, com legislações internacionais mais rígidas, maior conscientização dos problemas climáticos ou apenas marketing são alguns dos motivos para o aumento na criação de cargos formais de sustentabilidade nas empresas. O movimento ainda não reflete em grande procura por profissionais especializados, mas revela a preocupação das companhias em se estruturar nessa área.

Novas diretorias começam a surgir com a fusão das áreas jurídicas, assuntos corporativos, responsabilidade social, tecnologia, qualidade, recursos humanos, comunicação, tudo sob o guarda-chuva da sustentabilidade. Enquanto do lado dos profissionais também é crescente a demanda por cursos especializados, que são recentes no Brasil, pela função ser relativamente nova e a maioria dos que ocupam cargos ter formação acadêmica em outras áreas.

"Há um interesse novo no mercado pela sustentabilidade nos 'boards' e conselhos das empresas, mas ainda não existe procura de executivos para cargos de diretores e vice-presidentes", constata Marcelo Mariaca, da Mariaca Consultores, empresa nacional de recrutamento de executivos e transição de carreiras. A demanda acontece mais em níveis gerenciais.

Até agora, de acordo com especialistas, muitas empresas promovem para os cargos pessoas do próprio staff, porque sustentabilidade implica em profundas mudanças culturais, por envolver as vertentes econômica, social, meio ambiente e também individual. E os profissionais que já trabalham nas companhias conhecem melhor suas peculiaridades.

"Os processos da sustentabilidade provocam alterações na cultura da empresa, exigindo mudanças de comportamento de todos", afirma Luís Fernando Madella, diretor de relações institucionais e sustentabilidade da International Paper no Brasil, fabricante de papel e celulose.

Em maio, a empresa americana mudou sua estrutura no país, com a fusão das diretorias jurídica, assuntos corporativos e comunicação. Assim, foi criada a diretoria jurídica e assuntos corporativos, a cargo de Ricardo Zangirolami, e a de relações institucionais e sustentabilidade, que ficou com Madella.

Advogado formado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Madella está na empresa desde 2005 e já foi diretor de marketing e relações institucionais na Novelis do Brasil, Alcan e Coca-Cola.

Para o presidente da International Paper, Máximo Pacheco, a mudança na estrutura da empresa é conseqüência da "grande evolução dos conceitos de responsabilidade social corporativa e sustentabilidade, que passaram a ser vetores imprescindíveis para o desenvolvimento e sucesso das organizações no médio e longo prazos".

Outra fabricante de celulose, a Veracel, instalada no sul da Bahia, já nasceu, em 2005, com uma gerência de sustentabilidade. Em janeiro deste ano, a empresa contratou Eliane Anjos para ocupar o cargo. "A visão da Veracel, desde o início, é ser referência mundial em sustentabilidade", diz Eliane, cuja gerência é subordinada diretamente à presidência da empresa.

Eliane participa como conselheira, ao lado de acionistas, do presidente da empresa e de outros executivos de diversas áreas, de reuniões - quatro por ano - do conselho de administração da Veracel, que é uma joint-venture entre a Aracruz e a sueco-finlandesa Stora Enso.

Desses encontros participam ainda diretores de sustentabilidade da Stora Enso e da Aracruz. São levados para as reuniões, segundo ela, subsídios de uma agenda comum de como encaminhar assuntos de certificações florestais, demandas sociais, questões indígenas, crédito de carbono e orçamentos sociais, entre outros.

"Não é preciso ser especialista em sustentabilidade, basta ter bom senso", afirma Eliane, que conta com 20 pessoas trabalhando diretamente com sustentabilidade. Muito embora ressalte que os demais 3,8 mil empregados da empresa estão envolvidos com a questão.

Engenheira sanitária, pós-graduada em meio ambiente pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e em gestão de negócios pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, Eliane tem sob seu comando engenheiros florestais, agrônomos, biólogos, químicos, advogado, administrador, sociólogo e antropólogo. "Trabalhar com sustentabilidade é trabalhar relacionamentos com pessoas, meio ambiente, governos, organizações não governamentais e outros públicos", diz.

A Embraer, líder na fabricação de jatos comerciais de até 120 pessoas e uma das maiores exportadoras brasileiras, também criou a diretoria de estratégias e tecnologias de meio ambiente, em outubro de 2007. O diretor Graciliano Campos afirma que a empresa já tinha um conjunto de iniciativas ambientais, como tratamento de efluentes, controle de emissões industriais, reciclagem e outros.

"As ações aconteciam por áreas, cada um cuidando do seu pedaço. Com a estruturação da diretoria, a Embraer procura uma maior sinergia entre as diversas iniciativas", afirma. A decisão de criar a nova diretoria, segundo ele, não está ligada diretamente às exigências do mercado externo.

Isso porque a Embraer já segue os parâmetros internacionais, tendo sido, por exemplo, a primeira fabricante do setor aeronáutico a obter, em 2002, a certificação ISO 14001, que estabelece práticas ambientais corretas, e pelas exigências de contratos de financiamentos internacionais.

"A empresa passa a ter uma visão estrutural e integral dos procedimentos quando tiver que tomar decisões de negócios ou de tecnologias", diz o executivo. Engenheiro mecânico, formado pela Universidade de Brasília, Campos trabalhou nas áreas de desenvolvimento de produtos, de vendas e marketing da Embraer antes de assumir a nova diretoria. Cerca de 250 pessoas trabalham no planejamento estratégico da empresa, das quais 30 diretamente com meio ambiente.

Segundo ele, a Embraer recorre a consultorias para trabalhos específicos de meio ambiente como, por exemplo, o monitoramento de emissões de CO2 que direciona as ações da empresa em suas políticas ambientais. "Negócios responsáveis são bons negócios", não se cansa de repetir Flávia Moraes, gerente geral de sustentabilidade para a América Latina da Philips do Brasil, uma das empresas pioneiras na criação desse cargo no país, em 2003.

O cargo no Brasil surgiu antes e influenciou a criação da diretoria de sustentabilidade na matriz da empresa, na Holanda. A Philips, pelo quarto ano consecutivo, é líder do supersetor de bens de uso pessoal e doméstico do Índice Dow Jones de Sustentabilidade (DJSI), que acompanha o desempenho das principais empresas de orientadas para sustentabilidade em todo o mundo.

Formada em Letras, com cursos na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e em sustentabilidade pela Fundação Dom Cabral, Flávia diz que não existe a dicotomia de uma empresa ser responsável ou ganhar dinheiro, mas sim "que a empresa pode ser responsável e ganhar dinheiro". Segundo ela, várias empresas no Brasil ficaram na dianteira em sustentabilidade, como a Philips e o Banco Real, talvez pelas grandes desigualdades existentes no país.

A atuação em sustentabilidade do Real desde 2002 tornou o banco uma referência no Brasil. Nos últimos três anos, principalmente, várias empresas procuraram o Real para saber como o banco trabalhava esse tema em educação ou planejamento estratégico. "Percebemos que havia uma oportunidade de compartilhar com o mercado o que aprendemos na prática. Não é necessário que elas passem hoje pelas dificuldades que já passamos", afirma Maria Luiza Pinto, diretora executiva de desenvolvimento sustentável do banco.

Assim, surgiu o Espaço Real de Práticas em Sustentabilidade, projeto que compartilha com o público externo todo o conhecimento adquirido pela instituição financeira nessa área. Em dezembro de 2007 foi realizado o primeiro encontro que contou com a participação de 36 representantes de 21 empresas.