Título: Brasil fecha acordo de serviços com o Chile
Autor: Leo , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 30/06/2008, Brasil, p. A5

Provedores de serviços, como consultores, engenheiros, arquitetos, especialistas em informática e até produtores culturais do Chile e do Brasil poderão trabalhar livremente nos dois países e receber o mesmo tratamento dispensado aos empresários locais. É o que determina o inédito acordo de serviços a ser firmado amanhã entre o Chile e os países do Mercosul, na reunião de cúpula do bloco formado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Os demais sócios também terão acesso ao mercado de serviços chileno, como o de informática, alvo de crescente interesse dos exportadores argentinos.

A cúpula do Mercosul, em Tucumán, norte da Argentina, não prevê, porém, avanços na integração alfandegária do bloco, devido às dificuldades dos governos em chegar a um acordo para um código aduaneiro comum, que facilitará o trânsito de mercadorias. Já está em fase de testes, a integração eletrônica das alfândegas dos quatro países, mas um dos principais obstáculos ao acordo para um código comum é a reivindicação argentina de incluir, no texto, a previsão para impostos de exportação, como as "retenções" impostas pelo governo Cristina Kirchner, devido à crise política que provocou paralisações de estradas no país

O Uruguai considera inaceitável a medida e assessores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva avaliam que a insistência argentina se deve aos processos judiciais em que os produtores tentam derrubar a medida do governo. A delicada situação política argentina deve adiar qualquer decisão sobre o tema.

O Brasil aceitou abrir para os chilenos setores habitualmente protegidos pelo país nas negociações sobre serviços, como educação, meio ambiente e audiovisual, por avaliar que o acordo trará vantagens para os empresários e prestadores de serviços em áreas de forte competitividade brasileira, como engenharia, franquias e comércio e informática. O mercado chileno também é considerado promissor para os provedores de serviços do Brasil nos setores de educação e audiovisuais.

Foram excluídos do acordo os serviços financeiros e serviços para o setor público (compras governamentais), mas há previsão de que esses dois mercados serão abertos, no futuro, em prazo e condições ainda a serem negociados. País com poucas barreiras para o comércio de mercadorias, o Chile vem abrindo seu setor de serviços apenas em acordos bilaterais, o que motivou o Mercosul a buscar, desde 2006, o acordo a ser assinado amanhã pelos presidentes.

O acordo com o Chile inclui, nos setores alcançados pela negociação, a liberdade de movimentação de pessoas físicas prestadoras de serviços (o que é conhecido na Organização Mundial de Comércio como "modo 4 de prestação de serviços") - que é o estágio mais adiantado de liberalização do mercado. É uma das decisões de maior alcance e repercussão econômica entre as que serão tomadas na reunião dos presidentes. Será anunciado também o acordo de redução de tarifas de importação entre o Mercosul e a União Aduaneira liderada pela África do Sul, com maior abertura para o comércio entre os dois blocos.

"Nossa meta é alcançar um acordo de livre comércio", comenta o diretor do Departamento de Negociações Internacionais do Itamaraty, Evandro Didonet. Para o subsecretário de Integração da Argentina, Eduardo Sigal, o acordo com a África do Sul (e seus parceiros menores na União Aduaneira Sul-Africana, conhecida como Sacu, da sigla em inglês) é um passo importante para um futuro acordo inédito trilateral entre Mercosul, Sacu e Índia.

O acordo a ser anunciado, em negociação há quatro anos, é bem menos ambicioso, porém, e envolve pouco mais de mil tipos de produtos (linhas tarifárias, no jargão técnico). Também serão anunciados compromissos para negociação de acordos de livre comércio com a Turquia e a Jordânia.

A reunião do Mercosul servirá, ainda, para que os países discutam a criação de um fundo para garantir empréstimos para pequenas e médias empresas no bloco, dedicadas ao fornecimento para setores estratégicos como o automobilístico e o de gás e petróleo. O estímulo oficial para integrar empresas locais no processo de produção das grande empresas desses setores faz parte do programa de "integração produtiva" discutido pelos governos e, no Brasil, coordenado pelo presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Reginaldo Arcuri.

"A maior dificuldade dessas empresas é oferecer garantias para empréstimos. O Brasil já decidiu destacar US$ 50 milhões para um fundo destinado a oferecer essas garantias", informou o subsecretário-geral de América do Sul do Itamaraty, Ênio Cordeiro. "É uma ótima notícia, a Argentina também está pronta a contribuir", disse Eduardo Sigal, ao saber da decisão brasileira que, segundo acredita, permitirá anunciar, na reunião, a formação do fundo.

Alguns temas de grande importância, porém, não devem ter consenso dos parceiros no Mercosul. Ficará para o segundo semestre a definição das regras para acabar com a chamada dupla cobrança da Tarifa Externa Comum, que obriga o produto importado por um dos países do bloco a pagar novamente tarifa de importação ao atravessar a fronteira para outro sócio do Mercosul. Brasil e Argentina tentam também convencer Paraguai e Uruguai a adotar um programa comum para tratar de pneus usados e reformados, de forma a evitar a condenação, na Organização Mundial do Comércio (OMC), da proibição brasileira à importação de recauchutados.