Título: Acordo facilita integração no setor automotivo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 01/07/2008, Brasil, p. A4

Um acordo para estimular a fabricação e investimentos de produtos automotivos nos países do Mercosul será assinado hoje entre os países do bloco formado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Com o programa de apoio às empresas previsto no acordo, o governo brasileiro espera abrir caminho para eliminar restrições ainda existentes no comércio desses produtos entre os sócios e, finalmente, "mercosulizar" o setor automotivo, hoje regulado por exceções às regras gerais do Mercosul.

Na prática, segundo comentou ao Valor o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Ivan Ramalho, os acordos bilaterais recém-firmados entre Brasil e Argentina e Brasil e Uruguai fazem com que o comércio existente entre esses países esteja, hoje, livre de tarifas de importação, embora formalmente existam limites para a quantidade de produtos automotivos que podem ser comercializadas com tarifa zero. Há uma cota para vendas do Brasil e Uruguai, e, entre Argentina e Brasil as vendas de um ao outro devem manter uma proporção pré-fixada, conhecida como "flex" (no caso do Brasil, para cada dólar em vendas, deve fazer pelo menos US$ 1,95 em compras ao vizinho).

"Com os atuais fluxos de comércio, o setor automotivo, na prática está mercosulizado", comenta Ramalho, otimista. Os acordos, porém, têm seis anos de duração e só o firmado entre Brasil e Argentina prevê explicitamente o livre comércio a partir do sexto ano. O programa proposto pelo Brasil, com verbas do Focem (o fundo criado no Mercosul para estimular o desenvolvimento do bloco) e outros fundos de apoio à indústria já existentes, deverá financiar a adaptação das indústrias de autopeças uruguaia e paraguaia para fornecer a grandes montadoras no Brasil e na Argentina.

O chamado "Programa Mercosul de Adensamento e Integração Produtiva no Setor Automotivo" deverá durar dois anos, do segundo semestre de 2008 a dezembro de 2010. Entre as medidas previstas pelo programa, estão atividades de apoio gerencial e tecnológico para desenvolver fornecedores na cadeia automotiva, assessoria para maior eficiência energética nas empresas, gestão de resíduos e troca de cooperação entre entidades nacionais de suporte ao desenvolvimento. Os produtores uruguaios e paraguaios terão apoio técnico e financeiro para promoção comercial e feiras de demonstração de mercadorias nos mercados dos sócios maiores.

"De início, pensamos ser possível apoiar as empresas no Uruguai e Paraguai para fornecer componentes a fabricantes de autopeças e sistemistas", diz o presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Reginaldo Arcuri, em referência aos grandes fornecedores de partes, peças e sistemas das montadoras de automóveis.

"Para que a gente possa ter integração real e comércio mais equilibrado na cadeia automotiva, é imprescindível aumentar o volume e a sofisticação das autopeças no Mercosul, principalmente no Uruguai e Paraguai", diz ele. "O programa vai exatamente nesse ponto", acrescenta. Arcuri lembra que, em Minas Gerais, um programa semelhante com a siderúrgica Belgo Mineira, hoje ArcelorMittal, elevou as compras feitas pela empresa de fornecedores em Juiz de Fora, de R$ 20 milhões anuais para mais de R$ 200 milhões.

O acordo com a Argentina firmado neste ano substituiu um anterior, com validade de um ano, com o qual o Brasil esperava dar lugar, já em 2008, à liberalização comercial de produtos automotivos. O acordo com o Uruguai, que será divulgado em termos gerais hoje durante a reunião dos presidentes, em Tucumán, prevê liberdade de comércio de carros originados no país vizinho com pelo menos 60% de componentes locais, e cota de 20 mil unidades para automóveis com menos que essa percentagem local. O Brasil pode exportar sem imposto até 6,5 mil automóveis por ano ao mercado uruguaio.

Além do automotivo, haverá um programa para a indústria de gás e petróleo, também com financiamento e medidas de assistência técnica para fornecedores às grandes empresas. Uma das medidas a serem anunciadas hoje é a constituição de um fundo, com recursos orçamentários dos países do Mercosul, para dar garantias que permitam pequenas e médias empresas buscar empréstimos para modernizar a produção.

"Esse programa para integração produtiva no Mercosul é muito importante", comemora o subsecretário de Integração Econômica e Mercosul da Argentina, Eduardo Sigal. "Vai fortalecer a capacidade de competição das empresas menores, para participar da cadeia de produção das grandes companhias, como a Techint, a Petrobras, as montadoras de automóveis."

A Argentina havia eleito o tema da integração produtiva como prioridade para a presidência temporária do Mercosul, que o país exerce até hoje, quando transfere ao Brasil o comando do bloco. Entre os sócios, os mais céticos em relação ao programa são os paraguaios. Segundo um graduado diplomata do país, é preciso comprovar que o financiamento anunciado será capaz de cumprir as ambições do programa.

O governo brasileiro defende a ênfase no setor automotivo por sua "capacidade de gerar emprego, renda e investimento", com demanda para fornecedores de matérias-primas e de autopeças, indústrias químicas e petroquímicas, os setores eletrônico e siderúrgico, além de serviços como comunicação, redes de concessionárias, agentes financeiros e especialistas em logística. (SL)