Título: Porta do Congresso vira uma 'feira' por causa de protestos
Autor: Rocha , Janes
Fonte: Valor Econômico, 01/07/2008, Internacional, p. A10
A nova cara do movimento em torno do aumento de impostos sobre as exportações de grãos na Argentina é mais parecida a uma feira. Depois de cem dias de greves e tensão, com caminhões e tratores atravessados nas estradas no interior das Províncias e panelaços nos centros urbanos, as manifestações pró e contra a medida foram transferidas para a porta do edifício do Congresso Nacional, no centro de Buenos Aires.
Foi depois que a presidenta Cristina Fernández de Kirchner decidiu enviar a polêmica Resolução 125 para aprovação do Congresso Nacional. Assinada pelo ex-ministro da Economia Martín Lousteau em 11 de março, a resolução alterou o sistema de tributos sobre as exportações de soja, milho e girassol, aumentando as alíquotas e tornando-as móveis de acordo com a evolução dos preços internacionais dos grãos - quanto mais sobem os preços, maiores são as alíquotas. A medida foi rejeitada pelos agricultores, gerando a maior crise política dos últimos cinco anos no país.
Há uma semana, grupos ligados aos ruralistas e aos movimentos sociais que apóiam o governo e defendem a medida, ocupam as três praças (Lorea, Mariano Moreno e a Plaza del Congreso) que dividem a área em frente ao edifício que abriga o Legislativo argentino, para marcar posição e pressionar os deputados. Ali montaram ao todo sete barracas (cinco das organizações que apóiam o governo e duas dos ruralistas). Também instalaram um enorme boi inflável azul, apelidado de "Alfredito", em homenagem ao líder do movimento ruralista contra as retenções na Província de Entre Ríos, Alfredo de Angelis.
Atraídos pela agitação e pela presença de equipes e carros de todas as principais emissoras de TVs e rádios do país, turistas e curiosos se misturam aos manifestantes que fazem plantão dia e noite no local, em esquema de revezamento. Ontem à tarde, Raul Castells, um conhecido "piquetero" dos tempos da crise de 2002, dirigente do Movimento Independente de Aposentados e Desempregados (MIJD na sigla em espanhol) dava uma entrevista à TV criticando o governo.
Às barracas dos manifestantes diretamente interessados no assunto, se somaram, este fim de semana, outras duas que pegam "carona" na concentração na área. São os grupos da Igreja Evangélica e de um movimento de defesa dos direitos dos indígenas. "Queremos de volta nossas terras", dizia Gabino Zambrano, líder indígena, em uma entrevista à TV.
"Queremos informar melhor as pessoas sobre a nossa posição", disse ao Valor Florencia Villar, 19 anos, estudante de Sociologia na Universidade de Buenos Aires. Militante da Cámpora, Florencia distribuía panfletos chamando para as palestras organizadas na barraca da organização. Mais empolgado, Federico Gonzalez, um jovem de 23 anos, estudante de Ciência Política na Universidade de Moreno, explicava sua presença na barraca do grupo JP Evita, a mais bem localizada em frente ao Congresso: "Essa é parte da nossa batalha em defesa de um modelo de país". Cámpora e JP Evita são duas das maiores e mais radicais organizações de apoio ao governo do casal Kirchner.
Na barraca dos ruralistas, a mais distante da porta do Congresso, o presidente Luis Inácio Lula da Silva inspirava os manifestantes. Um recorte de uma matéria publicada no jornal "Clarín", falando do programa de incentivo ao setor rural brasileiro, no valor de R$ 50 bilhões, estava à exposição na entrada de uma das duas barracas. "Nunca houve nada parecido na Argentina", dizia Helio Martinez militante pró-agricultores.
O governo quer aprovar a resolução no Congresso sem nenhuma alteração, enquanto os ruralistas pedem que se reduzam as alíquotas. Embora o governo tenha ampla maioria nas duas Casas, a vitória não é certa. Em uma pesquisa feita pelo jornal "Clarín", de 156 deputados (num total de 257), 91 afirmaram que vão votar contra o projeto do governo, 55 se disseram a favor e 10 afirmaram que ainda não haviam tomado uma decisão a respeito.