Título: SDE abre processo contra cartel das cargas
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 01/07/2008, Empresas, p. B7

Uma troca de e-mails entre funcionários de companhias aéreas para definir datas e percentuais de aumento de preços é uma das principais provas obtidas pelo Ministério da Justiça contra empresas que deveriam concorrer entre si, mas estariam trabalhando para cobrar mais caro pelo transporte de cargas, elevando, com isso, o custo das exportações. A investigação, que teve início no fim de 2006, se transformou em processo nos últimos dias de abril deste ano.

As autoridades antitruste do governo brasileiro começaram a investigar as companhias aéreas por causa de acusações de cartel nesse setor em outros países, especialmente nos Estados Unidos, onde oito empresas já sofreram multas que totalizam US$ 1,275 bilhão. A suspeita inicial da Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça era a de que o cartel, por tratar de companhias internacionais, fosse estendido naturalmente ao Brasil em negociações realizadas no exterior. Porém, as acusações, antes limitadas ao campo internacional, ganharam força no Brasil com a obtenção de e-mails em que gerentes das companhias não apenas marcam datas para implementar reajustes de preços, mas também dividem o trabalho de convencer todos do setor a seguir os mesmos percentuais.

Num e-mail, um executivo propõe a outro: "Eu faço pressão nas (companhias) européias e você nas americanas". Em outro, um executivo diz que a associação do setor - a Junta dos Representantes das Companhias Aéreas Internacionais no Brasil (Jurcaib) - deveria ajudar na fixação dos preços. "Esperamos que a Lufthansa Cargo possa acompanhar a ABSA na implementação dessas duas medidas de estabelecimento de preço", responde um funcionário da ABSA. O curioso é que um dos executivos chega a admitir ter receio de ser pego por cartel. "Fico com pé atrás em caso de dumping, cartel, etc."

O suposto cartel envolveu companhias que detinham 78% do mercado de carga aérea durante o período em que os reajustes teriam sido implementados em conjunto: 2003 a 2005. Entre as principais empresas do setor, apenas a TAM, com 5% naquela época, está fora das acusações de cartel. A VarigLog - líder do mercado no período, com 25% do mercado de cargas - está entre as acusadas. Além dela, aparecem as empresas American Airlines, Air France, Swiss , KLM, Lufthansa Cargo, Deutsche Lufthansa, ABSA, Alitalia, United Airlines e mais 15 pessoas físicas. Todas as aéreas foram procuradas pelo Valor, mas apenas ABSA e United se manifestaram.

Para Norberto Jochmann, presidente da ABSA e também diretor da Jurcaib, "a probabilidade de o processo evoluir contra as companhias aéreas é muito grande". A United disse que "cooperará e assume seu compromisso de cumprir inteiramente com todas as leis internacionais e domésticas".

As provas foram obtidas porque uma empresa assinou um acordo de leniência com a SDE e entregou as demais - por meio desse entendimento, a companhia que participou de um cartel concorda em denunciar as outras para obter redução de pena. O nome da leniente no Brasil é mantido em sigilo pelas autoridades, mas o mercado comenta que foi a alemã Lufthansa. A companhia fechou acordo de leniência na Europa e nos Estados Unidos e evitou multas pesadas.

O cartel no Brasil funcionaria através de um repasse do adicional de combustível de aviação. Entre 2004 e 2005, o adicional subiu de US$ 0,10 por quilo para US$ 0,60. Com isso, ultrapassou mais da metade da tarifa média de frete, que era de US$ 0,90 por quilo em encomendas para os Estados Unidos e US$ 1,20 por quilo para mercadoria com destino à Europa.

As companhias alegaram à SDE que seguem os percentuais fixados pelo antigo Departamento de Aviação Civil (DAC) - substituído pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Em agosto de 2005, o DAC fixou o valor máximo do adicional em US$ 0,50 por quilo de mercadoria. Imediatamente após a divulgação pelo DAC, funcionários das companhias começaram a trocar e-mails para chegar a um preço único. A gerente de vendas de uma das empresas diz que irá aderir à cobrança de US$ 0,45 por quilo e indica a data de 1º de setembro para que as demais façam ajustes com os exportadores. Em seguida, outro gerente pede a inclusão de mais companhias no acordo e o auxílio da entidade do setor: "A Jurcaib poderia nos ajudar neste sentido". Os e-mails continuam com um gerente indicando a cobrança do percentual máximo de US$ 0,50 a partir de 26 de setembro e outro propondo o mesmo valor a partir de 1º de outubro. "Esperamos contar com o apoio de todos para este ajuste, afinal a 'briga' para a aprovação da tabela foi longa." Em várias mensagens, as companhias dizem quanto pretendem cobrar e a partir de quando comunicarão os clientes.

"As mensagens eletrônicas trazidas aos autos pelos beneficiários do acordo de leniência constituem forte indício da existência do suposto conluio entre as companhias aéreas na cobrança do adicional de combustível no mercado de transporte aéreo de cargas, tendo o Brasil como origem ou destino", diz a nota pública assinada pela secretária Mariana Tavares de Araújo da SDE.

Agora, as companhias possuem duas alternativas: negar a existência de cartel perante a SDE ou tentar assinar um acordo com o Cade pelo qual antecipam o valor da multa em troca do fim do processo. As multas por cartel variam de 1% a 30% do faturamento das empresas. As pessoas físicas podem ser condenadas a pagar multas individuais. "As companhias, por enquanto, não consideram a possibilidade de fazer acordos no Brasil", disse Jochmann, enquanto representante da Jurcaib.