Título: Mendes defende lei de abuso de autoridade
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 02/07/2008, Política, p. A10

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, defendeu junto ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva a aprovação de uma nova Lei de Abuso de Autoridade para coibir as denúncias vazias contra juízes e ministros de tribunais de outra que impeça a aprovação de verbas extemporâneas para políticos.

As duas leis fazem parte do que Mendes chamou de "pacto por um Brasil republicano". A Lei de Abuso de Autoridade seria uma forma de impedir "retaliações" por parte de procuradores e de delegados da Polícia Federal contra juízes. O presidente do STF citou vários exemplos que considera retaliações. Lembrou que o ex-ministro do tribunal Sepúlveda Pertence teve o seu nome envolvido indevidamente numa sentença que não proferiu cujo objetivo seria favorecer um lobista. O também ex-ministro do STF Carlos Velloso foi convocado para depor depois de tecer críticas às operações da PF. Ele recebeu advogados de políticos mineiros em sua residência e disse que não poderia defendê-los no caso, pois acabara de se aposentar e ainda cumpria quarentena. Mesmo assim, foi intimado para depor com a advertência de que poderia ser autuado por desobediência e desacato. O ministro Félix Fischer, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), se recusou a atender um pedido da polícia para decretar a prisão preventiva de juízes em São Paulo e, na semana seguinte, uma revista publicou que o filho dele estaria envolvido num suposto caso de corrupção. "São casos flagrantes de retaliação", disse Mendes. "É preciso encerrar esse quadro de intimidação. Não é possível instaurar, no Brasil, o modelo de Estado policial."

O próprio presidente do STF teve o nome de um homônimo divulgado como se fosse ele na operação da PF envolvendo a construtora Gautama. A divulgação surgiu após Mendes fazer críticas a investigações indiscriminadas da PF e do Ministério Público. "Vim para o meu gabinete para olhar se não recebera nos últimos dois anos uma gravata, uma folhinha ou calendário. Veja que cuidado a gente tem de ter", disse o ministro num tom indignado. "Que tipo de terrorismo lamentável, que coisa de gângster. Quem faz isso, na verdade, não é agente público, é gângster."

O diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa, afirmou, após encontro com Mendes, que os eventuais desvios dos delegados serão apurados. "Não temos qualquer problema de apurar desvio de conduta interna", disse Corrêa.

Para o presidente do STF, a nova Lei do Orçamento seria uma forma de impedir escândalos que surgem com a aprovação de verbas para políticos. "Os senhores sabem que uma boa parte dos escândalos está sediada nesse modelo de emenda parlamentar", afirmou Mendes, referindo-se às emendas com o objetivo de aprovar novos créditos ao orçamento do governo. "Precisamos repensar urgentemente esse modelo. Eu sei isso muitas vezes envolve uma própria reconcepção da política, mas é fácil ver que esse sistema já deu péssimos resultados e tem capacidade de produzir, ainda, resultados piores", completou, citando a CPI do Orçamento, durante o governo Collor e o escândalo do mensalão.

O presidente do STF é contrário a qualquer medida do Congresso que acabe com o foro privilegiado de modo a levar o processo do mensalão de volta para a 1ª instância da Justiça. Isso faria com que o julgamento fosse atrasado para 2028, ironizou Mendes. A previsão atual é que os 40 acusados no processo do mensalão sejam julgados entre 2010 e 2014.

Mendes afirmou ainda que o STF deverá alterar o texto de uma de suas súmulas justamente para proibir a remessa de processos para a 1ª instância, dando um sinal ao Congresso de que não aceitará "golpes". Pelo novo texto, se o processo tiver início no Supremo ficará no tribunal até o fim. Assim, não haveria o "passeio" de processos, o que só atrasa os julgamentos e dá um sinal de impunidade para a classe política.

O presidente do STF disse que dará a maior prioridade para julgar processos envolvendo políticos, como o caso do deputado Antonio Palocci (PT-SP). Lula estuda a possibilidade de levá-lo de volta à Esplanada dos Ministérios, onde Palocci ocupou por mais de três anos a pasta da Fazenda. O problema é que o deputado responde a investigações por ter divulgado o sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa - que revelou a parlamentares que havia movimentação intensa de dinheiro na residência do então ministro da Fazenda - e por supostos desvios em licitações de empresas que faziam a coleta de lixo em Ribeirão Preto, quando ele foi prefeito da cidade. Os dois casos estão em tramitação no STF. Ontem, o STF desmembrou o inquérito de Ribeirão, mantendo apenas Palocci no STF. Outros oito réus responderão na 1ª instância. Mendes é o relator do caso envolvendo Francenildo e perguntado sobre a data do julgamento, respondeu: "Darei a maior prioridade".

O ministro disse que não vê com simpatia a proposta de tornar inelegíveis os políticos que respondem a diversos processos na Justiça, pois "é muito fácil engendrar um inquérito criminal ou uma acusação contra alguém".