Título: Rural passa por nova prova de fogo
Autor: Balarin, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 02/07/2008, Finanças, p. C3

O aperto na captação de recursos vivido pelos bancos de médio porte no primeiro quadrimestre foi uma prova de fogo especial para uma instituição - o Banco Rural, que, em 2005, esteve envolvido no escândalo político do mensalão e se viu obrigado a fazer um forte ajuste para sobreviver. A instituição ampliou sua captação e sua carteira de crédito no período, a despeito da competição com as altas taxas pagas pelos grandes bancos em seus Certificados de Depósito Bancário (CDB) e da retração das instituições financeiras na aquisição de carteiras de crédito.

Na fase mais aguda da concorrência com os grandes bancos, o Rural chegou a pagar 112% da variação do CDI na colocação de seus CDBs, segundo Kátia Rabello, presidente do banco e controladora do grupo. Hoje, para aplicação de R$ 1 milhão com prazo de um ano, a taxa é de 105% a 108% do CDI. "Poderíamos ter pago até mais, mas não fizemos isso porque estamos em um processo lento e gradual de recuperação de imagem", diz Kátia, acrescentando que um passo importante nesse sentido foi dado esta semana, com a nova classificação de risco dada pela agência Standard & Poor's.

Em escala global, a S&P concedeu ao Rural a classificação B-, acima do rating anterior, dado pela Fitch (o Rural trocou de agência no fim do ano passado). Em seu relatório, o analista Ricardo Brito, da S&P, destaca que a classificação ainda reflete a limitada flexibilidade financeira do banco por causa da crise de liquidez sofrida pelo Rural após o envolvimento no episódio do mensalão, os lucros baixos por causa da limpeza da carteira de crédito, sua escala reduzida por conta de sua estrutura operacional e suas limitações de crescimento por causa das opções de captação de recursos. "Esses riscos são parcialmente mitigados pelo longo histórico de operações com pequenas e médias empresas, a melhora nas práticas de governança corporativa e a capitalização feita pelos controladores", explica Brito em seu relatório, que descreve várias das medidas adotadas desde 2005 e seus impactos positivos no curto prazo.

A capitalização a que se refere Brito diz respeito à venda de um precatório de uma empresa da família Rabello ao banco Merrill Lynch no segundo semestre do ano passado. Dos R$ 190 milhões obtidos na operação, R$ 100 milhões foram capitalizados no banco. Outros R$ 85 milhões entraram no Rural como depósito de longo prazo ou foram usados na compra de créditos do banco, diz Kátia.

Com o aumento de capital, o índice de alavancagem do Rural chegou a 20,9% no fim do ano passado, abrindo espaço para que o banco ampliasse a concessão de crédito. A carteira de financiamento de médias empresas ("middle market") saltou de R$ 800 milhões no fim do ano passado par R$ 987 milhões em maio e deve chegar a R$ 1,3 bilhão no fim de 2008, de acordo com a instituição. "Os grandes bancos estão mais seletivos e isso abre espaço para crescermos no middle", diz Kátia, ressaltando que a instituição vem dando prioridade para atender os casos em que as empresas já eram clientes, mas que o Rural não tinha condições de ampliar sua linha de crédito por conta do enxugamento que foi obrigado a fazer.

Outro foco do banco é a carteira de empréstimos consignados (com desconto em folha de pagamento). Até o fim do ano passado, o Rural vinha vendendo boa parte de sua carteira a outros bancos ou securitizando o crédito em fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC). A estratégia tinha dois objetivos: gerar recursos para novos empréstimos e ganhar rentabilidade. No primeiro quadrimestre, esse tipo de operação teve uma desaceleração. Os bancos nacionais se retraíram por conta da expectativa de alta do juro e de mudança nas regras de contabilidade desses créditos. Os estrangeiros, abalados pela crise internacional, voltaram-se para os problemas em seus mercados locais. "Nos últimos dois meses, os estrangeiros estão voltando a esse mercado. Os nacionais, ainda não", diz Kátia.

A mudança no cenário coincidiu com a adoção de uma nova estratégia pelo Rural. Agora, a ordem é segurar ao máximo essa carteira dentro da instituição, para ampliar a rentabilidade (na cessão, os lucros têm de ser divididos). No ano passado, dos R$ 650 milhões produzidos pelo Rural, R$ 540 milhões foram cedidos a bancos ou colocados em FIDCs. Apenas R$ 110 milhões permaneciam na carteira própria no fim de 2007. Neste ano, no primeiro semestre, os novos empréstimos somaram R$ 420 milhões e R$ 350 milhões estão na carteira proprietária. A meta é chegar ao fim de 2008 com R$ 800 milhões em novos empréstimos.