Título: Crise ameaça o bolso do brasileiro
Autor: Hessel, Rosana; Ribas, Sílvio
Fonte: Correio Braziliense, 25/02/2011, Economia, p. 11

Petrobras segura o preço da gasolina e do diesel, mas já repassa a alta do petróleo para o querosene de aviação e a nafta

A disparada nas cotações internacionais do petróleo começa a pesar no orçamento dos brasileiros. Apesar de não mexer nos preços da gasolina e do diesel, que dependem de autorização do Palácio do Planalto para serem reajustados, a Petrobras já vem repassando o aumento do barril para uma série de derivados, principalmente o querosene de aviação e a nafta petroquímica, insumo básico para a produção de diversos produtos, sobretudo as embalagens plásticas. O querosene e a nafta são revistos, respectivamente, a cada 15 e 30 dias. A situação só agrava o processo inflacionário no país, obrigando o Banco Central a acelerar a alta nos juros básicos da economia (Selic).

Dados da Fundação Getulio Vargas (FGV) mostram que, desde a segunda metade de janeiro, quando estourou a crise no Egito, que se estendeu pela Líbia e vários países do mundo árabe, os preços do querosene de aviação acumulam alta de 7,16%, mais da metade da elevação acumulada em 12 meses: 11,99%. Segundo André Braz, economista da FGV, a tendência é de que o repasse se intensifique nos próximos meses, caso as turbulências engolfem de vez os maiores produtores de petróleo, como a Arábia Saudita, com reservas de 266,7 bilhões da barris. O resultado disso: passagens aéreas mais caras. No caso da nafta, conforme o mercado, o aumento médio ficou em 5% no mesmo período.

Segundo o vice-presidente para a América Latina da Delta Airlines, Nicolas Ferri, a apreensão é grande entre as companhias aéreas, pois o querosene de aviação representa um custo importante para o setor. ¿Estamos avaliando todos os cenários. O agravamento da crise será muito ruim¿, afirmou. Na área petroquímica, há quem fale em reajuste de até 20% nos preços dos produtos a base de nafta. A grande pergunta é se a indústria e o comércio terão condições de repassar tal aumento aos consumidores finais. O problema, reclamam os empresários, é que o encarecimento dos derivados do petróleo veio a se somar a um encarecimento em série das commodities metálicas e agrícolas.

O Brasil é importador regular de querosene de aviação, produto cuja demanda vem crescendo rápido. Em 2010, as importações chegaram a 33 mil barris diários do produto. Quanto à nafta, as importações estão ao ritmo de 39 mil barris por dia. O país também poderá sentir altas nos preços de outros produtos que saem das refinarias, como o óleo combustível usado nas fábricas e pelos navios (bunker).

Ontem, depois de alcançar a máxima de US$ 119,79 em Londres, o barril tipo Brent encerrou o dia em US$ 111,36, com alta de 0,1%. Nos Estados Unidos, o dia foi de muita pressão, diante das tentativas do mercado de descobrir se outros países podem compensar a queda da produção líbia. Na New York Mercantile Exchange (Nymex), o barril de West Texas Intermediate (WTI) para entrega em abril fechou a US$ 97,28, em baixa de 0,9%. Segundo Tom Bentz, do Banco BNP Paribas, o recuo se deu depois que a Arábia Saudita garantiu que suprirá a redução da produção da Líbia. Em julho de 2008, o valor do barril do Brent chegou a US$ 147, mas, no fim daquele ano, após a quebradeira de bancos e de várias economias, inclusive europeias, recuou para US$ 37.

Especulação Vários operadores alertaram para os movimentos especulativos no mercado com o óleo. ¿Há muita distorção tanto no preço do petróleo quanto nos das commodities agrícolas. Tem muito investidor comprando contratos de petróleo só para aumentar a demanda e obter lucros no curto prazo¿, alertou o economista da Prosper Corretora, Demetrius Borel Lucindo. Ele ressaltou ainda que, ao manter o preço da gasolina 4% abaixo do praticado no mercado externo, a Petrobras já acumula perdas superiores a R$ 200 milhões.

Para José Luís Oreiro, professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB), mantida a escalada do preços do petróleo, o risco de uma nova recessão global é grande. É que a inflação tenderá a subir, obrigando os bancos centrais a elevarem os juros, abortando a ainda frágil recuperação econômica dos Estados Unidos e da Europa. ¿O risco de uma nova recessão é considerável ainda neste começo de ano por, pelo menos, dois trimestres seguidos¿, disse.

Na avaliação do diretor de Relações Internacionais da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Thomaz Zanotto, é cedo para fazer estimativas. Mas os empresários estão atentos para a crise política, sobretudo na Líbia, grande fornecedora de petróleo para a Europa. ¿Se ela continuar, o risco de uma recessão acompanhada de inflação (estagflação) no mundo é muito grande, e isso seria o pior cenário possível¿, destacou. (Colaborou Gustavo Henrique Braga)

Pressão sobre BCs mundiais Começam a ser divulgadas as primeiras estimativas de impacto da alta dos preços internacionais de petróleo na inflação, jogando a pressão dos reajustes nas taxas básicas de juros pelos bancos centrais. Segundo a consultoria Fathom, se o preço do barril tipo Brent estacionar em US$ 120, a taxa britânica de inflação ganharia 0,48 ponto percentual. Nos Estados Unidos e na Europa, o acréscimo seria respectivamente de 0,51 e 1,63 pontos. Mas, caso o patamar seja de US$ 150, o impacto iria ao dobro. Analistas internacionais veem um sério dilema para os governos dos países desenvolvidos: de um lado, a tentativa de evitar a disparada dos preços domésticos; do outro, a busca da retomada do crescimento.