Título: Política agrícola tem avanços, mas insiste em subsídios
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Fonte: Valor Econômico, 03/07/2008, Opinião, p. A12

A inflação dos alimentos, preocupação número 1 hoje de governos de todo o planeta, modulou as decisões tomadas por Brasília no âmbito do novo plano de safra para o ano 2008/09. Ao anunciar os parâmetros que nortearam esse programa, ontem, em Curitiba, o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, disse que, diferentemente de outras épocas, há consenso entre todas as áreas do governo sobre a necessidade de dar prioridade ao setor. O plano recém-lançado é apenas para a próxima safra, mas está sendo adotado em conjunto com outras medidas mais duradouras. Seriam programas ou instrumentos que vão estruturar a agricultura a médio e longo prazos.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Stephanes afirmaram que, para enfrentar o aumento da inflação, o Brasil precisa ampliar sua produção agrícola. Segundo o presidente, os efeitos do novo plano e o aumento da produção agrícola serão sentidos em seis ou sete meses. No Plano Agrícola e Pecuário 2008-2009, está previsto um volume de crédito de R$ 78 bilhões, o que representa um incremento de R$ 8 bilhões em relação à safra 2007-2008. Para a chamada agricultura empresarial serão destinados R$ 65 bilhões. O plano para a agricultura familiar, que será detalhado hoje, terá R$ 13 bilhões.

Em seu discurso, o presidente minimizou a crise de alimentos, afirmou que não apenas o governo federal pode ser responsabilizado pelo retorno da inflação e voltou a dizer que a crise mundial dos alimentos "tem que ser encarada pelos brasileiros como uma extraordinária oportunidade para o país se tornar o celeiro do mundo". Já Stephanes atribuiu o aumento dos preços dos alimentos ao aumento do consumo mundial e também ao aumento do preço do petróleo e das matérias-primas. E o papel do Brasil seria produzir mais para ajudar a diminuir ou para evitar que os preços subam mais.

O ministro citou como medidas de médio e longo prazos em andamento a reestruturação da dívida rural, o projeto de lei que cria o Fundo de Catástrofe (um resseguro em caso de tragédias climáticas que causem perdas de safra), o Plano de Aceleração do Crescimento da Pesquisa, os investimentos em infra-estrutura e logística e a defesa sanitária. Também deve ser lançado até dezembro um programa de incentivo à produção de adubos e fertilizantes.

É saudável essa preocupação de adotar políticas de mais longo prazo, que possam evitar que todos os anos se faça necessária uma intervenção emergencial das autoridades para corrigir os planos de plantio e de colheita para evitar os riscos de alta de preços para os consumidores, que desestrutura a economia. Essa preocupação, infelizmente, não se traduziu em outros avanços igualmente importantes, como o enfrentamento de graves problemas estruturais tais como a precariedade da logística de escoamento da produção e a disparada dos custos de produção. Além disso, o plano de safra eleva em 51% o volume de recursos do crédito rural com taxas de juros parcialmente bancadas pelo Tesouro, uma política que recebe muitas críticas por beneficiar uma parcela da economia em detrimento de outros setores.

Do total de R$ 65 bilhões para o financiamento da agricultura empresarial, R$ 55 bilhões serão emprestados pelos bancos com taxas subsidiadas pelo caixa da União. Na safra passada (2007/08), o governo previa equalizar R$ 45,4 bilhões. Com isso, o governo amplia de 63% para 85% o total de recursos cobertos por subsídios e espera elevar para além de 150 milhões de toneladas a produção total de grãos, fibras e cereais, atualmente em 143,3 milhões.

Na prática, o Tesouro Nacional paga a diferença entre o custo de captação do dinheiro no mercado - geralmente com taxa Selic - e os juros do crédito rural, cuja média é de 7,35% ao ano. Estima-se um custo total de R$ 2,6 bilhões para o Tesouro com essas operações de equalização. Nos financiamentos de custeio, por exemplo, os produtores pagam 6,75% ao ano. Para esta modalidade, prevê-se um pacote de R$ 45 bilhões cobertos pelo caixa do Tesouro - na safra anterior, foram previstos R$ 36,5 bilhões.