Título: Cheque especial cresce 20% no ano
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Fonte: Valor Econômico, 03/07/2008, Finanças, p. C2
Começa a haver uma mudança no perfil de endividamento das famílias. Ao longo dos dois últimos anos o mercado de crédito apresentou uma expansão das linhas mais baratas e um alongamento dos prazos. No início deste ano, no entanto, com o aumento dos juros e os sinais de aceleração da inflação, as modalidades mais caras e curtas voltam a ganhar espaço.
O saldo do cheque especial, primeiro recurso dos endividados e visto como um dos vilões do sistema financeiro, subiu 20% nos primeiros cinco meses do ano, chegando a R$ 15,6 bilhões. Da mesma forma, o uso do rotativo do cartão de crédito já cresce a uma taxa de 16%, para R$ 19,9 bilhões. No mesmo período, o estoque total de crédito para pessoas físicas subiu menos, 9%.
Em relatório, Octavio de Barros, diretor de pesquisas econômicas do Bradesco, alerta para essa contribuição, "mesmo que de forma sutil", no crescimento anual do crédito. Ele pondera, entretanto, que apesar da "suave" aceleração no ritmo apresentado por essas linhas, elas são responsáveis por apenas 10% do estoque de empréstimos para pessoas físicas. "Grande parte da carteira é composta por modalidades mais saudáveis, fato que nos transmite tranqüilidade em relação à solidez da expansão do crédito".
Uma alta no uso dessas linhas no início do ano é relativamente comum, devido ao excesso de gastos de fim do ano e o acumulo de despesas nos meses iniciais. Mas, diferentemente de outros anos, o nível de endividamento do brasileiro nunca foi tão alto. Segundo dados do Banco Central, cerca de 80 milhões de pessoas tem pelo menos uma dívida.
Além disso, a economia passa por um momento de incertezas e de alta dos juros. Essas alterações, somadas a uma elevação, ainda que tímida, da inadimplência para pessoas físicas por dois meses seguidos, começam a despertar a atenção dos bancos. Os atrasos para pessoas físicas passaram de 7%, em dezembro, para 7,3%, em maio. No cheque especial, houve queda de 10,6% para 8,9% no período. Mas no cartão, a inadimplência do rotativo se aproxima dos 25% e está em alta.
Ademir Cossiello, diretor-executivo do Bradesco ainda não vê motivos para preocupação. "Ainda vemos uma condição estável da inadimplência. Os dados de 12 meses nos dão tranqüilidade". Em relação a maio do ano passado, a alta dos atrasos acima de 90 dias é de 0,1 ponto percentual.
Para Renato Oliva, vice-presidente da Associação Brasileira de Bancos (ABBC), por enquanto, essas elevações estão dentro do previsto. "Ainda não são preocupantes. Estão dentro da previsibilidade por conta da mudança do cenário econômico. A questão da inflação é mundial, não só do Brasil. É natural que haja um acirramento do aumento de juros".
Para ele, no entanto, ainda se espera uma situação um pouco pior do que a atual. Isso porque os juros futuros, negociados na BM&F e que servem de referencia para a precificação dos empréstimos, já aponta para patamares superiores. "A primeira conseqüência é o encarecimento do crédito e, depois, vem o aumento da inadimplência".
Oliva afirma ainda que as taxas futuras podem não estar apontando exatamente o que o BC espera. "Por conta da política gradualista de alta dos juros, com a qual concordo, não se pode ter certeza de aonde a autoridade monetária quer chegar com o aperto. O mercado especula que dois ou três aumentos sejam suficiente, mas há uma incerteza sobre aonde o BC quer chegar".
O banco JP Morgan também alerta para o avanço tanto do uso do cheque especial. "Essa expansão se dá em um tipo de empréstimo, cujas taxas superam os 157% ao ano", diz relatório da instituição. Mesmo altas, os juros dessa modalidade já subiram 19 pontos percentuais neste ano.
O avanço do uso dessas linhas mais curtas e emergenciais é o primeiro sintoma de uma piora do ambiente do crédito, relata Miguel de Oliveira, vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac). Ele pondera, no entanto, que a situação ainda não é preocupante.
"É fato que de certa forma a inflação aumenta os gastos e as pessoas começam a ter dificuldades para arcar com os empréstimos, mas ainda não acendeu a luz amarela nos bancos. Eles continuam com apetite para emprestar e com campanhas agressivas".
Toda vez que há uma elevação das taxas básicas de juro, há um impacto direto na renda, avalia Oliveira, pois sobra menos dinheiro para as famílias, tanto pela alta da inflação quanto do custo dos empréstimos. Em linhas mais curtas, como cheque especial e cartão de crédito, isso é ainda mais forte, pois as taxas podem mudar todo mês, ao contrário de empréstimos mais longos, como financiamento de veículos, cujas parcelas são fixas.
Segundo ele, os bancos estão mais seletivos por essa mudança no ambiente econômico e não pela alta da inadimplência. "Precisa esperar mais um ou dois meses para ver a tendência. Se ela se confirmar, os bancos podem passar de seletivos para restritivos".
Esse processo foi visto no fim de 2004, quando o Banco Central realizou um aperto monetário e a inadimplência da pessoa física passou de 5,9%, em julho de 2004, para 7,7% um ano depois. "Não tem jeito, as pessoas atrasam compromissos em período de alta de juros. Mas não acredito em aumento substancial da inadimplência dessa vez porque o aumento dos juros não será tão forte".