Título: Indústria importa e negocia para cortar custo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 04/07/2008, Brasil, p. A3

As indústrias brasileiras estão adotando estratégias distintas para compensar parte do aumento de custos provocado pela forte alta na cotação das commodities internacionais, especialmente das cadeias do petróleo e do aço. Além de reajustar parte dos preços, as empresas estão discutindo redução ou dilatação no prazo de pagamento de clientes - o que depende do setor- , ampliando compra de insumos importados, renegociando contratos de prestação de serviço e adotando medidas para ampliar ganhos de produtividade. Em 12 meses, a alta de preços industriais no atacado acumula 10,6%, muito acima dos 2,18% acumulados até junho de 2007.

O grupo Suissa, fabricante de produtos de higiene e cosméticos, aumentou seus preços de 10% a 12% em junho, após um ano e meio sem reajustes e deve fazer nova rodada de altas em outubro. A empresa também busca reduzir custos, e negocia com a Light a diminuição do custo da energia consumida. O contrato prevê o corte da tarifa durante o período fabril, entre 7h e 17h. Nesse período, o preço do insumo será cerca de 30% menor. Com isso, a redução no custo total da energia vai corresponder a 6%. Além disso, ela aumentou o volume das importações. O grupo utiliza derivados petroquímicos, como a naftalina e o benzeno, cujos preços acompanharam a escalada da cotação do barril de petróleo. "Quase toda a matéria-prima é importada e passamos a importar mais por causa do câmbio", disse Edson Roberto Arnaud, sócio do grupo. Ele conta que a Suissa cortou 25% do quadro de funcionários da área administrativa e investiu em máquinas, tecnologia e informatização.

Com preços do gás e energia elétrica subindo quase 20%, a pernambucana Companhia Industrial de Vidros (CIV) colocou em ação um plano para aumentar o uso de vidro reaproveitado na fabricação de embalagens e utensílios domésticos. Hoje, 40% do material usado pela empresa é de vidro destinado à reciclagem, mas a meta é alcançar 65% em cinco anos. "Temos um programa arrojado de captura de vidros para conseguir baratear o processo de produção", explica Paulo Drummond, presidente da CIV. A reciclagem permite que um quilo do material se transforme em um quilo de vidro novo ao mesmo tempo em que se economiza energia dos fornos.

Enquanto aumenta a compra de vidros para reutilização, a CIV também barrou novas contratações, apesar de as vendas terem subido em volume 16% no primeiro semestre do ano em relação a 2007. "Ao mesmo tempo, tentamos ver se nossos clientes pagam mais rápido, mas está difícil porque o que todo mundo quer é isso", conta Drummond. Essas medidas, porém, não foram suficientes e a tabela de preços da CIV foi reajustada em cerca de 8% neste semestre.

No setor de calçados, a oportunidade para o reajuste de preços ocorre no lançamento das coleções. Por isso, a estratégia é o lançamento de um maior número de coleções. As maiores pressões ocorrem na cadeia de insumos químicos e petroquímicos, como solados, cabedais, tintas e adesivos, no embalo da alta das cotações do petróleo.

O gerente de marketing da West Coast, Sérgio Baccaro Júnior, informa que a empresa vem negociando para suavizar os aumentos, mas a importação de insumos, como matrizes para solados, e de calçados prontos tem crescido. As compras externas, inclusive da China, devem representar 5% dos 2,4 milhões de pares que a empresa espera vender este ano.

O aumento da participação dos importados (insumos ou produtos prontos) no mix da calçadista permitiu manter o preço de parte da coleção estável desde o início do ano. A única possibilidade de reajuste das tabelas ocorre na troca de coleções, o que tem exigido maior agilidade da área de desenvolvimento de produtos. "Estamos lançando mais de cem linhas de produtos por ano, cinco vezes mais do que há oito, nove anos; é a fast-fashion", comenta Baccaro Júnior.

Para não perder vendas, a A.Grings, dona da marca Piccadilly, está esticando os prazos de pagamento concedidos aos lojistas. Do máximo de 90 dias até o fim do ano passado, o período já chega a 120 ou 150 dias. Na outra ponta, ele tem dois meses para pagar os fornecedores nacionais e seis meses para os estrangeiros.

A situação é semelhante na Calçados Bibi, que conseguiu segurar os preços dos insumos e dos produtos finais no mercado interno desde o início do ano e pretende permanecer assim até dezembro pelo menos, afirma o presidente Marlin Kohlrausch. Nas exportações - cerca de 30% das vendas totais, estimadas em 3,2 milhões de pares neste ano -, a empresa já promoveu reajustes de até 30% em dólar, considerado suficiente para suportar todo o ano.

As três calçadistas têm em comum ainda a avaliação de que será impossível conceder aumentos reais de salário aos trabalhadores do setor, que têm data-base ao longo do segundo semestre. "As negociações ainda não começaram, mas não há condições de aumentar os salários", diz Kohlrausch.

A forte concorrência imposta pelos importados tem dificultado o aumento de preços no setor têxtil. Segundo Zeno Fischer, diretor de controles e planejamento da Lepper, indústria têxtil de Joinville (SC), os fornecedores da empresa reajustaram preços em torno de 5%. Entre os principais aumentos, destaca o reajuste de fibras sintéticas, como o poliéster, derivado de petróleo. "Ainda não repassamos esses custos mais altos, porque são reajustes pequenos e que permitem absorção por parte da empresa. Mas se persistirem, teremos que rever nossos preços", diz Fischer.

Para contrabalançar a pressão nos custos, as indústrias têxteis em geral estão importando insumos e produtos pré-acabados e acabados, principalmente da Ásia. A Lepper tem planos de aumentar sua importação dos atuais 5% (do que produz), para 10% nos próximos 12 meses. "Estamos buscando produtos diferentes do que produzimos. A tendência é essa enquanto o preço asiático continuar competitivo, sobretudo, pelo câmbio".

Segundo o presidente da Buettner, João Henrique Marchewsky, a maior pressão de reajustes começa a existir entre fornecedores de produtos químicos e materiais de embalagens. "Estamos em discussão. A briga está grande", diz ele, que se depara com pedidos de reajustes entre 10% e 15%. "Estamos buscando alternativas, com substitutos próximos e aprofundando importações, porque não estamos aumentando os preços dos nossos produtos", diz ele, que considera não haver espaço para repasse de alta de custos aos preços por conta da competição.

Na fabricante de tintas Sherwin Williams, a alta do petróleo pressiona custos. O presidente da empresa, Mark Hyde Pitt, diz que ela tem uma vantagem porque parte dos produtos é à base de água, estratégia iniciada há quatro ou cinco anos para reduzir o conteúdo de solventes nos produtos. A alta de custos tem sido enfrentada com tentativas de elevar a produtividade e por negociações com fornecedores. A empresa, por enquanto, não aumentou preços. "Vamos ver primeiro o que o mercado vai fazer", afirma. Importar mais é possível? "É difícil, já importamos quase 50% do valor de insumos." (Colaborou Sergio Lamucci, de São Paulo)