Título: CVM está aberta a discutir papel dos bancos nas ofertas
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 04/07/2008, EU & S.A ., p. A5
Silvia Costanti/Valor Maria Helena Santana, presidente da CVM: preocupação em não criar restrições que prejudiquem acesso ao capital A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) quer discutir mais com os participantes do mercado o papel das instituições intermediárias que estruturam as ofertas públicas, os bancos coordenadores. A questão ganhou relevância nos últimos meses depois que ações de empresas que estrearam na bolsa recentemente passaram a ter desempenho ruim e, principalmente, após o escândalo da Agrenco, cujos controladores foram presos pela Polícia Federal. O caso deu início a uma série de debates ligados à transparência, responsabilidades e governança.
Maria Helena Santana, presidente da CVM, ressaltou, porém, que esse assunto já é objeto de atenção da autarquia há algum tempo, principalmente desde o ano passado, quando se intensificou a euforia das aberturas de capita, que trouxe o aumento do uso 'equity quicker' - nome dado aos empréstimos fornecidos pelos próprios bancos que coordenam a oferta de ações, antes da operação, e que têm parte da remuneração paga em ações da companhia. "Estamos acompanhando internamente essa questão de como se dá a remuneração do intermediário."
O momento para o debate não poderia ser melhor. A CVM está prestes a firmar um convênio com a Associação Nacional dos Bandos de Investimento (Anbid) para que a entidade faça o registro das ofertas de mercados, com exceção das operações de aberturas capital. A entidade reúne, justamente, os bancos que coordenam as operações no mercado de capitais.
Consultada sobre os impactos dos acontecimentos na auto-regulação, a Anbid não quis se pronunciar. Também não informou se investigará o papel do Credit Suisse na oferta de ações da Agrenco, como a CVM já está fazendo. Na quarta-feira, ocorreu a primeira reunião do Comitê de Auto-Regulação da entidade. O tema foi tratado com desconforto, mas não gerou orientação prática.
Questionada se a discussão recente sobre o conflito dos bancos intermediários não fragiliza a credibilidade do convênio com a Anbid, Maria Helena disse que a auto-regulação sempre terá prós e contras. "O grande contra sempre apontado da auto-regulação é esse, de que pode ser conflituoso. Mas há também prós, como o fato de conhecerem profundamente o segmento e os problemas e de que o setor vai querer se empenhar em manter sua credibilidade."
"Essa questão relativa ao papel dos intermediários nas ofertas é algo que gostaríamos de discutir mais com o mercado. Não temos uma visão clara se existe necessidade de estabelecer outras regras ou restrições." De acordo com Maria Helena, há uma preocupação grande em evitar problemas como os de conflitos de interesse, mas há também uma cautela para que não existam restrições excessivas. "A função básica do mercado de capitais é prover acesso ao capital e é preciso lembrar que o Brasil ainda é um país no qual o acesso aos recursos é mais restrito do que nos desenvolvidos", disse, lembrando que ainda não há nada a ser apresentado ao mercado sobre o tema.
A preocupação de especialistas, neste momento, é com a credibilidade do mercado de capitais. Os problemas com as companhias que listaram ações recentemente, dependendo da gravidade e da resposta dos agentes reguladores e auto-reguladores, podem levantar interrogações sobre a maturidade do mercado local. "Não queremos viver aquela gangorra histórica no Brasil, novamente", comentou o professor Alexandre Di Miceli, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP).
Érica Gorga, professora especializada em direito societário da Fundação Getúlio Vargas (FGV), também se preocupa com a imagem do país. Por isso, acha relevante que, antes do avanço da auto-regulação, sejam criados critérios objetivos de controle. Segundo ela, nos Estados Unidos, os diversos negócios que os bancos coordenadores podem fazer com a empresa que estão levando ao mercado são intensamente regulados. "É importante não deixar lacunas de responsabilidade."
As polêmicas recentes de mercado, envolvendo os problemas policiais da Agrenco, e as questões de governança da Dufry e Laep são todos com empresas com sede nas Bermudas e que listaram recibos de ações (BDRs). O mais grave dos casos, o da Agrenco, que já está sendo investigado pela CVM, passa exatamente sobre a questão da responsabilidade. Por se tratar de uma emissor estrangeira, a autarquia tem limites para punir, se necessário, os controladores e administradores. As punições de eventuais do regulador poderão se concentrar, caso fique comprovada alguma irregularidade, no banco coordenador, o Credit Suisse, e na auditoria, a KPMG.
O Credit Suisse levou a companhia à Bovespa depois de liderar um empréstimo sindicalizado de US$ 120 milhões. Parte da remuneração desse crédito foi paga em ações e, por isso, o banco possui 6,9% do capital da empresa. Além disso, o analista da instituição recomendava compra para os papéis, com preço-alvo de R$ 19,00, quando os BDRs estavam cotados na bolsa próximos de R$ 2,0.
Maria Helena enfatizou que a autarquia já endureceu um pouco exigindo que os prospectos detalhem a relação do intermediário com a empresa, se existe empréstimo, em que condições e quais conflitos de interesses isso pode gerar.
As regras da Anbid também se limitam às exigências de transparência. Pode tudo, mas tem que ficar claro no material da oferta. Os códigos de auto-regulação da Anbid são sucintos sobre a relação entre a companhia e o banco. Não há limites objetivos. Só a recomendação de que as relações fiquem claras. A instrução 400, da CVM, que regula as ofertas, também é breve ao tratar das responsabilidades do banco coordenador.
Maria Helena lembrou ainda que mesmo em alguns dos países com a economia e o mercado de capitais mais desenvolvidos, a questão dos empréstimos pré-abertura de capital só enfrenta restrição no âmbito da auto-regulação. "Estamos observando como são as regras no mundo. Observamos que lá fora a questão da forma de remuneração dos coordenadores vem sendo muito discutida."
Di Miceli destacou que já estaria claro, que as companhia que contaram com os recursos pré-abertura de capital tiveram pior desempenho na bolsa. "Talvez, não estivessem prontas como deveriam."