Título: Grandes empresas reagem contra indicação ao Cade
Autor: Basile , Juliano ; Ulhôa,Raquel
Fonte: Valor Econômico, 07/07/2008, Brasil, p. A5

A indicação de Arthur Badin para a presidência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) está ameaçada por pressões de grandes empresas que tiveram interesses contrariados por decisões do órgão. A sabatina de Badin, que estava marcada para amanhã na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), deverá ser adiada por causa dessas restrições e até de um dossiê contra o seu nome.

Badin foi indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com apoio do ministro da Justiça, Tarso Genro. Na semana passada, senadores do governo e da oposição foram procurados por lobistas de empresas que sofreram revezes no Cade, como Cia. Vale do Rio Doce, Votorantim, Ambev, Nestlé e Cutrale. Como Badin é o atual procurador-geral do Cade e tem obtido vitórias importantes contra essas empresas na Justiça, elas estariam apontando resistências ao seu nome. Na quarta-feira, o líder do DEM, Agripino Maia (RN) pediu ao senador Demóstenes Torres (DEM-GO) para abandonar a relatoria da indicação do nome de Badin. Na sexta-feira, o presidente da CAE, Aloizio Mercadante (PT-SP), fez acordo com Agripino para adiar a sabatina.

Segundo Mercadante, há "preocupação com a natureza do trabalho" de Badin como procurador do Cade e "questionamentos" em relação ao fato de ele ser muito jovem (32 anos). "Os outros três indicados têm uma vida acadêmica mais consolidada", disse, referindo-se aos outros três indicados a conselheiros do órgão - Vinícius Carvalho, Carlos Ragazzo e Olavo Chinaglia, este filho do presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP). Eles serão sabatinados amanhã. A dúvida é quanto à apreciação do nome de Badin. "Não há consenso em relação ao candidato a presidente. Tem muito ruído em torno do nome dele", disse Agripino.

Segundo o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), a decisão de adiar ou não a sabatina será tomada hoje, após consulta às lideranças partidárias. "Se houver risco de aprovação, não vou pôr o nome dele. Ele está preparado para presidir o Cade, mas como há resistência política, quero construir um entendimento para não expor o nome dele", afirmou o pemedebista.

O presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), negou que haja veto da oposição ao nome de Badin. "Não é verdade que a oposição esteja vetando a indicação. A oposição deve examinar, na sabatina, o conhecimento, a experiência e a competência dele", afirmou o tucano.

Apesar de ter abandonado a relatoria, Demóstenes elogiou Badin. "Eu disse a ele que votaria a favor porque o conheço e ele é sério", disse o senador do DEM.

Badin foi chefe de gabinete da Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça, entre 2003 e 2005, quando saiu para ocupar o cargo de procurador-geral do Cade. A sua função no órgão antitruste é fazer com que as decisões do Cade - que, muitas vezes, impõe restrições às empresas - não sejam barradas por conta de recursos ao Judiciário.

Nos últimos anos, o Cade mandou a Nestlé vender a Garoto e retirou da Vale o direito ao excedente de minério de ferro da Casa de Pedra, o que permitiu à rival CSN vender o produto para outros clientes. A Cutrale responde a processo por cartel no setor de suco de laranja e a Votorantim no setor de cimento. A Ambev possui vários processos no Cade seja por conta de aquisições, ou por reclamações de concorrentes contra práticas da empresa no mercado.

Em meio a essa movimentação, os senadores receberam inclusive um documento apócrifo com entrevistas de Badin à imprensa nas quais ele criticou os recursos da Vale à Justiça. Sob o título "Histórico de ofensas contra a Vale", o dossiê de oito páginas fala em "ataques promovidos pelo procurador-geral" e lista uma série de declarações de Badin a respeito da empresa. Aponta, como exemplo, o fato de Badin ter se referido ao processo da Vale como "um cadáver insepulto", numa alusão ao fato de a companhia recorrer repetidas vezes para não perder o seu direito ao excedente de minério da CSN. O documento traz, inclusive, as defesas da Vale, como as alegações de que a empresa estava apenas procurando os caminhos "lícitos e legítimos" para recorrer contra a decisão do Cade.

Badin disse ao Valor que não tem nada contra a Vale e ressaltou que não foi ele quem impôs restrições à companhia, mas os conselheiros do Cade. "A empresa é um orgulho do país, é adequada para este processo de inserção do país no mercado externo", afirmou o procurador-geral. "Coube a mim apenas defender a decisão no Cade perante a Justiça", completou.

Procurada por este jornal, a Vale preferiu não comentar o assunto. O movimento de lobistas criou desconfortos em alguns senadores que acham um absurdo o fato de grandes companhias quererem escolher quem vai ser o seu xerife e julgar os seus processos. Esses senadores, que não quiseram ser identificados, argumentam que essa pressão indica que Badin conseguiu ser efetivo no combate monopólios.

A Nestlé informou que não tem nenhum tipo de resistência ou pressão ao nome do Badin. A Cutrale também negou restrições ao procurador. A Ambev preferiu não comentar. E o Grupo Votorantim refutou especulações envolvendo a empresa e o processo de indicação de integrantes do Cade. "Essas nomeações são uma prerrogativa exclusiva do governo federal, e serão sempre respeitadas e acatadas pelo Grupo", diz nota da Votorantim.