Título: Fundo soberano terá ação de estatal
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 07/07/2008, Finanças, p. C3
O projeto de lei que cria o Fundo Soberano Brasileiro (FSB), enviado na semana passada ao Congresso Nacional, tem abrangência maior que a inicialmente anunciada pelo governo. Um dos artigos permite que ele seja integralizado com ações de empresas estatais que excedam o necessário para manutenção de seu controle pela União.
Pelo que havia sido anunciado, o fundo seria composto apenas pelo superávit primário e por recursos levantados pela emissão de títulos públicos. O texto do projeto de lei estabelece ainda, genericamente, que o fundo poderá ser composto por "outros direitos com valor patrimonial" da União.
Assim, pelo projeto, o fundo soberano poderá ser composto por ações de estatais, como o Banco do Brasil, que superem os 51% necessários para manter o controle da empresa. Essa é a segunda destinação dada no governo Lula às ações das estatais que excedem o controle. Antes, as ações já haviam sido destinadas à formação do fundo garantidor das Parcerias Público Privadas (PPP).
No governo Fernando Henrique Cardoso, a política era fazer ofertas pulverizadas das ações de estatais que excedessem o controle, que podiam ser compradas pelos trabalhadores com recursos do FGTS.
Na prática, o fundo irá funcionar como se fosse uma reserva internacional administrada pelo Ministério da Fazenda. No artigo 4º , o projeto diz que o fundo poderá ser formado pela "emissão de títulos da dívida pública". Ou seja, o acúmulo de ativos no fundo poderá ser feito à custa também do aumento da dívida mobiliária interna, como já ocorre com as reservas internacionais. Assim, o custo de manutenção dessa parte do fundo soberano será semelhante ao do acúmulo de reservas: ele representará a diferença entre os juros internos pagos nas captações com títulos público feitas no país e os juros internacionais recebidos nas aplicações do fundo no exterior.
Essa parte do fundo soberano será incorporada à contabilidade pública. Quando o governo emitir títulos para capitalizar o fundo, ele aumentará a dívida mobiliária, mas as aplicações dos recursos serão considerados ativos do governo, o que significa que a dívida líquida do setor público se manterá estável.
Apesar dessa engenharia contábil, aportes no fundo feitos pela emissão de títulos deverão ter impacto negativo na percepção de risco fiscal, porque, embora a dívida líquida não sofra impacto, a dívida bruta vai crescer. Esse é o indicador de solvência mais importante para agências de classificação de risco.
O projeto prevê que o fundo soberano irá fazer aplicações em papeis emitidos no exterior por instituições financeiras federais, como o BNDES. O projeto também diz, de forma genérica, que o Ministério da Fazenda poderá comprar diretamente "ativos financeiros no exterior".
O texto estabelece um mandato amplo para as aplicações do fundo: promover investimentos em ativos no Brasil e no exterior; formar poupança pública; mitigar efeitos dos ciclos econômicos e fomentar projetos de interesse estratégicos no país e no exterior. Aspectos centrais, como a política de aplicação, diretrizes de gestão administrativa e regras de supervisão prudencial serão regulamentados via decreto presidencial.
O projeto cria, dentro do fundo soberano, o Fundo Fiscal de Estabilização Financeira (FFIE), que não pode receber aportes de recursos originados da emissão de títulos públicos. O governo tinha dito que o FFIE teria caráter apenas de promover a poupança pública e suavizar os ciclos econômicos. O texto apresentado ao Congresso, porém, diz que o FFIE terá como finalidade também o "fomento a projetos de interesse estratégico do país " no exterior. Assim, as aplicações no FFIE não se limitam a ativos conservadores, que fortaleçam a percepção de solidez das contas fiscais.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que num primeiro momento o fundo iria apenas atuar para aumentar a poupança pública e segurar a demanda do governo em um momento em que o Banco Central procura contar a inflação. Esse compromisso, porém, não consta do projeto. A tendência é que seja regulamentado posteriormente.
A prestação de contas das aplicações do fundo serão semestrais. É uma periodicidade bem maior do que as contas fiscais do governo, divulgadas mensalmente, e que a abertura dos dados das reservas internacionais, conhecidas diariamente, com dois dias de defasagem.
Analistas econômicos econômicos têm insistido que, como o mandato do fundo é genérico, só as demonstrações contábeis poderão assegurar que as aplicações são para ampliar a poupança pública. (AR)