Título: Birmann se diz vítima e abre mão de banco
Autor: Adachi , Vanessa
Fonte: Valor Econômico, 07/07/2008, Finanças, p. C8

"Já estou cumprindo pena", diz Birmann a respeito de condenação da CVM Nos últimos anos, sempre que alguém esteve em vias de fazer um negócio com o empresário e banqueiro gaúcho Daniel Benasayag Birmann e buscou informações a seu respeito, invariavelmente encontrou motivos de sobra para ficar com o pé atrás e, muitas vezes, desistir de seguir adiante. Uma simples pesquisa no site de busca Google retorna um vasto número de notícias de teor negativo - incluindo uma curiosa ação de agressão movida contra ele pelo cantor Lobão. A mais crucial delas, entretanto, é outra: em março de 2005, Birmann recebeu a maior multa aplicada até hoje pela Comissão de Valores Mobiliários, além de ter sido condenado em processos menores. Ele recorreu ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, o Conselhinho, e aguarda julgamento.

"Já estou cumprindo pena", diz Birmann ao Valor, na primeira entrevista em quase dez anos de silêncio, para contar que está abrindo mão do Banco Arbi. O empresário, que mora metade do tempo em Porto Alegre e metade no Rio, diz que há cerca de duas semanas fechou um acordo para transferir os 60% do capital votante que possui do Arbi ao diretor-superintendente da instituição, Luís Fernando Pessôa. A mudança de controlador ainda depende da aprovação do Banco Central.

Pessôa tem hoje 10% do capital do banco e, além da fatia de Birmann, comprará o restante das ações das mãos de outros executivos. Birmann diz que Pessôa pagará preço próximo ao valor patrimonial do banco, que é de R$ 20 milhões. A KPMG tem 30 dias para auditar os números e ele acredita que o valor poderá subir em função de créditos como, por exemplo, os de natureza fiscal.

Ele nega rumores de mercado de que estaria simplesmente transferindo o banco para o nome de Pessôa e que se manteria ainda como seu controlador. O comentário é que ele teria tentado vender o Arbi antes, sem sucesso, e que sua saída da linha de frente poderia facilitar negociações futuras. "Isso não faz sentido. Ficar como sócio oculto em um banco seria muito arriscado." Segundo Birmann, o próprio Pessôa, preocupado com o futuro da instituição, vinha procurando parceiros. "Ele não tinha dinheiro para comprar e não achava que eu poderia financiá-lo." Mas Birmann diz que concordou em receber o pagamento em cinco anos. "Não estou recebendo o dinheiro e correndo."

Para apagar a herança de Birmann, o nome do banco vai mudar. A nova marca ainda é segredo. Arbi é uma homenagem ao pai de Daniel, Aron Birmann, fundador do extinto banco Crefisul.

O fato é que Daniel Birmann já vinha matutando e sabia há tempos que precisaria dar um destino diferente a seu banco. "Se eu ficar no banco, atrapalho." Desde que foi multado em R$ 243 milhões e também inabilitado como gestor de companhia aberta pela CVM, sob acusação de ter esvaziado patrimonialmente a indústria SAM, do qual é controlador, e prejudicado seus acionistas minoritários em benefício próprio, Birmann perdeu muitas oportunidades. "Qualquer parceiro que não me conhece do passado, hoje não faz negócio comigo", diz. "Não tenho linha de crédito em lugar nenhum."

Apesar das dificuldades, Daniel Birmann não aparenta abatimento. Afora alguns quilos a mais e a barba um pouco mais grisalha, sua fisionomia não se alterou muito em relação aos tempos em que não evitava exposição. Ele substituiu o terno e a gravata por confortáveis camisas pólo. No Leblon, o caro bairro onde mora no Rio, não é raro vê-lo caminhar a pé, de óculos escuros, até o sofisticado restaurante Antiquarius, um dos seus preferidos, onde tem uma mesa cativa, próxima à janela.

O empresário considera que sua imagem sofreu não apenas com a condenação pela CVM, mas também por conta de outra briga envolvendo a mesma indústria SAM, que levou a Justiça a bloquear todos os seus bens no início deste ano. O fundo de pensão da Light, o Braslight, tenta cobrar dele na Justiça debêntures emitidas pela SAM em 1990, compradas pela fundação e que não foram pagas. A Braslight estima que o valor atualizado da dívida supera os R$ 160 milhões. Birmann diz que a dívida é uma fração disso.

A Braslight conseguiu, no início do ano, a decretação da falência da SAM e a extensão dos seus efeitos ao patrimônio pessoal de Birmann. O bloqueio de seus bens foi, posteriormente, suspenso por liminar - o que liberou as ações do banco para ser transferidas.

"Eu tenho dois inimigos na vida. Um é o Sérgio Bermudes e o outro é o Marcelo Trindade", diz ele. O primeiro, conhecido advogado carioca, com notável atuação em processos de falência ruidosos, é o representante da Braslight e tem promovido uma verdadeira cruzada para tentar caçar o patrimônio de Birmann. O segundo, também conhecido advogado, é o ex-presidente da CVM, que estava à frente da autarquia quando Birmann foi condenado. "Fui usado como bode expiatório para dar exemplo ao mercado de um pseudo-endurecimento da fiscalização", dispara.

Um empresário de sucesso nos anos 80 e início dos 90, dono de um conglomerado industrial e financeiro com mais de 20 empresas, Birmann sofreu um revés em meados da década de 90 quando o Banco Arbi enfrentou agudo problema de liquidez. Para capitalizar a instituição, ele passou a vender os ativos que pôde, entre eles, empresas controladas pela SAM, como a Ficap, uma das maiores fabricantes de cabos elétricos do país. O dinheiro foi usado para conceder empréstimos ao Banco Arbi. Segundo a CVM, os empréstimos foram feitos a juros baixos e, às vezes, inexistentes. Além disso, a autarquia levou em conta que a SAM tinha apenas 10% do banco, enquanto Birmann tinha 80%.

Naquela época, o Arbi estava no redesconto e sob risco de intervenção, o que forçava Birmann a estar em constante contato com o Banco Central. "Eu vendi ativos e peguei cheques gigantescos que foram integralmente depositados na conta do banco. Eu cheirava os cheques e os depositava", afirma. Ele cita como exemplo um cheque no valor de US$ 80 milhões que recebeu da Previ pela venda da Caraíba Metais. "Ninguém sabe o quão correto eu fui."

Segundo Birmann, Alkimar Moura, ex-diretor de Normas do Banco Central, foi testemunha de que os cheques recebidos dos compradores das empresas nem passavam por sua conta e eram integralmente destinados ao banco. "O que posso dizer é que, do ponto de vista do Banco Central, o Daniel Birmann, como controlador do Arbi, cumpriu as exigências de capitalização para evitar uma intervenção", afirma Moura. "Sei que ele teve que liquidar ativos para capitalizar o banco, mas não posso fazer uma avaliação sobre a origem do dinheiro."

Quanto à briga com a Braslight, Birmann diz que essa é sua única dívida que nunca foi paga. "Não há cobrança de fornecedores, bancos ou minoritários." Ele diz que não pagou porque se sentiu enganado na negociação das debêntures e que está se armando para reverter a briga na Justiça. Tem em mãos os pareceres de dois ex-ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Sálvio de Figueiredo Teixeira e Adhemar Ferreira Maciel, que consideram que as as debêntures já estavam prescritas quando a Braslight iniciou a cobrança judicial. "E o instrumento de falência foi injustamente usado."

O empresário diz que pouco restou do conglomerado empresarial que já teve. "Hoje tenho uma empresa de energia feita a partir do lixo, a Usina Verde, e estou pensando em negócios a partir de biomassa e também em áreas de reflorestamento", conta. Birmann diz que se desfez de todo o resto, embora pairem dúvidas a respeito.

Em novembro de 2006, quando a fabricante de biodiesel Brasil Ecodiesel abriu seu capital, surgiu forte desconfiança de que o empresário ainda era seu controlador, porém estava oculto por uma sequência de holdings e trusts em paraísos fiscais. A existência de um controlador oculto, que detinha 47,7% da empresa, foi apontada pelo Valor antes da abertura de capital e levou a questionamentos por parte da CVM, além de reduziu significativamente o volume de recursos captado pela empresa. Ainda assim, o sócio por trás da holding Eco Green Solutions jamais apareceu.

Birmann afirma que já não tem nada a ver com a Brasil Ecodiesel há muitos anos. Diz ter vendido o controle para deixar a empresa crescer. Em maio deste ano, a Eco Green finalmente deixou o bloco de controle da Brasil Ecodiesel. Na ocasião, Nelson José Côrtes da Silveira, sócio da empresa, declarou ao Valor: "para mim, não interessa quem era. Só sei que eu tinha um sócio que pesava como chumbo porque ele não tem cara."

Birmann também garante não ter mais nada a ver com a Mineração Caraíba, que em 2007 quase veio à bolsa. "Me arrependo de ter vendido, o preço do cobre não estava nas alturas como agora." Também na Caraíba, o comprador da participação de Birmann foi uma empresa com sede em paraíso fiscal, de nome Anaconda.

Birmann ainda figura como presidente do conselho da Companhia Brasileira de Cartuchos , fabricante de munição. A empresa, que tinha ações em bolsa, fechou seu capital no ano passado. Ele afirma ter apenas uma participação acionária residual da companhia que já controlou. Mas não é bem assim. A CBC é controlada pela Semisa que, por sua vez, é controlada pela offshore Charles Limited., que pertence a Birmann. Ele desconversa quando o assunto vem à tona. Na época da campanha pelo desarmamento, em 2005, Birmann, que possui ele próprio porte de arma, era um dos grandes defensores do "não".

Daniel Birmann pode encontrar dificuldades para fazer novos negócios ou mesmo manter-se à frente daqueles que já tinha, mas ainda é um homem muito rico. Muito embora isso não possa ser comprovado em suas contas bancárias. Numa ordem de penhora de bens obtida pela Braslight no ano passado, foram encontrados apenas cerca de R$ 100 mil em contas em seu nome, e por um descuido seu. Há tempos ele desenvolveu o hábito de não movimentar contas em seu nome, para proteger-se de ações de penhora e também por causa do fantasma da multa da CVM. Birmann quase nunca usa cheque ou cartão de credito. No Antiquarius, por exemplo, os garçons já estão acostumados a vê-lo sacar um bolo de notas de R$ 50 e contar todas de forma paciente toda vez que a conta chega.