Título: Pobre economia :: João Saboia
Autor: Saboia , João
Fonte: Valor Econômico, 09/07/2008, Opinião, p. A12

O Brasil está passando por uma experiência que mostra a pobreza do pensamento econômico predominante. O mundo está vivendo um surto inflacionário devido ao aumento do preço das commodities (petróleo, alimentos, minérios etc) e a principal medida que as autoridades conseguem propor para combatê-lo é aumentar a taxa básica de juros da economia.

Desde abril o Conselho de Política Monetária (Copom) vem elevando a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic) . Novos aumentos são esperados para as próximas reuniões que ocorrem a cada 45 dias, de modo que até o final do ano a taxa básica deverá continuar aumentando mais alguns pontos percentuais.

O que se espera como resultado do aumento da taxa básica de juros? Que as pessoas reduzam seus gastos, que a economia desacelere e, com isso, que os preços parem de crescer. O raciocínio é muito simples, mas os resultados são duvidosos e o custo para o país poderá ser elevado.

Com a globalização da economia, o Brasil está intimamente ligado ao resto do mundo. Se o preço do trigo aumenta fora do país, inevitavelmente ele também aumentará no Brasil. Não será um pequeno aumento da taxa de juros que fará com que os brasileiros comam menos pão e com isso seu preço deixe de crescer.

O mesmo pode ser dito em relação ao petróleo ou outras commodities. A Petrobras poderá segurar o preço dos derivados do petróleo para ajudar o governo federal a combater a inflação durante algum tempo, mas em algum momento no futuro próximo terá que reajustá-los para dar conta do aumento do preço do petróleo no mercado internacional.

Na realidade, a taxa de juros para qualquer um dos mortais brasileiros tem muito pouco a ver com a taxa básica de juros da economia. Qualquer pessoa que necessite de um empréstimo para a compra de um carro, um eletrodoméstico ou qualquer outro item, estará pagando taxas incrivelmente mais elevadas que a Selic. Qual a diferença entre pagar taxas de 50% ao ano - ou 51%, ou 52%, ou 55%? Praticamente nenhuma. São todas absurdamente elevadas.

-------------------------------------------------------------------------------- Bastam juros um por cento maiores para que a sociedade desembolse mais do que é gasto com Bolsa Família em um ano --------------------------------------------------------------------------------

Se o governo deseja reduzir o consumo através do crédito, teria resultados muito mais favoráveis se conseguisse impor uma redução do número de prestações máximas para a compra de um bem durável. Enquanto os bancos continuarem financiando a venda de automóveis em 72 ou até mesmo 84 parcelas mensais, não será um pequeno aumento na taxa de juros que fará com que alguém deixe de comprar um carro. Entretanto, se o número máximo de prestações for reduzido para 36, certamente haverá menos carros e engarrafamentos nas ruas, mesmo sem aumento das taxas de juros. O que importa para o consumidor não é a taxa de juros, mas o tamanho da prestação para o seu bolso.

E o que paga a sociedade quando a taxa básica de juros sobe? Paga muito caro. Basta um ponto percentual a mais na taxa básica de juros, que remunera os títulos públicos, para que a sociedade como um todo desembolse mais do que é gasto com o Programa Bolsa Família no período de um ano, beneficiando as pessoas que têm recursos sobrando para aplicar em títulos públicos. Trata-se, portanto, de uma redistribuição de renda às avessas, que pode prejudicar o processo de melhoria da distribuição de renda verificado no país nos últimos anos.

O resto do mundo está sofrendo com o aumento do preço das commodities e o Brasil faz parte da comunidade internacional. Portanto, também terá que pagar sua parte da fatura. Apesar do aumento da inflação, ela permanece abaixo do limite superior da meta oficial de 6,5%, e muito abaixo da inflação verificada em grande parte dos países emergentes.

Em outras palavras, a situação do Brasil em termos de inflação é relativamente favorável. Continuar conduzindo a política monetária mirando próximo ao centro da meta de 4,5% na atual conjuntura não faz qualquer sentido. A faixa de tolerância no sistema de metas inflacionárias foi concebida exatamente para ser utilizada em períodos de choques de oferta, sejam eles internos ou externos, como no caso atual.

Existe um problema adicional associado ao aumento da taxa básica de juros. Trata-se de seu efeito sobre a taxa de câmbio, que tende a se valorizar, dificultando as exportações e barateando as importações. Se por um lado a queda do preço dos produtos importados (em reais) cai, beneficiando o combate à inflação, por outro o saldo da balança comercial se reduz, prejudicando as contas externas, como já pode ser verificado em 2008.

Apesar do crescimento econômico satisfatório ocorrido em 2007, o Brasil ainda continua convivendo com taxas inferiores às verificadas em países como a China, Índia e Rússia. Seria lamentável que, na tentativa de combater uma inflação importada do exterior, o país voltasse a experimentar o chamado "vôo da galinha", em que, após um ou dois anos de crescimento econômico mais elevado, as taxas voltam a cair, como já vimos no passado recente.

É preciso que sejamos criativos para enfrentar as atuais dificuldades. O retorno a uma pura política monetária baseada em aumento das taxas de juros é muito pouca imaginação para uma situação complexa como a que vivemos. Há outros instrumentos clássicos para enxugar a liquidez da economia. Alternativamente, podem ser utilizadas medidas para aumentar a oferta interna de produtos. A ciência econômica é certamente muito mais rica do que pode parecer quando observamos a pobreza da política econômica que está sendo utilizada para tentar debelar o atual repique inflacionário no Brasil.

João Saboia é diretor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Email: saboia@ie.ufrj.br.