Título: Câmbio competitivo é crucial para crescimento, diz economista
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 08/07/2008, Brasil, p. A2

O economista Paulo Gala, da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EESP-FGV), vê com desconforto a valorização do câmbio ocorrida nos últimos anos. Para ele, é fundamental manter uma taxa depreciada para estimular a poupança doméstica e o investimento no longo prazo. O câmbio competitivo, diz ele, é decisivo para garantir a expansão do setor manufatureiro voltado para a exportação, a principal fonte de ganhos de produtividade para a economia. Se não acredita que o Brasil vá repetir as graves crises cambiais do fim dos anos 90 e começo dos anos 2000, Gala teme que, se insistir no dólar barato, o país seguirá longe do crescimento sustentado a taxas robustas.

No estudo "Efeitos da apreciação cambial nos salários, lucros, consumo, investimento, poupança e produtividade: uma perspectiva de curto e longo prazo", Gala questiona a idéia de que a apreciação do câmbio pode trazer benefícios duradouros para o investimento e a expansão da economia.

"O efeito mais forte da apreciação cambial nas cadeias produtivas de bens comercializáveis internacionalmente, tanto agrícolas quanto de bens industriais, se faz sentir principalmente nas margens de lucro", escreve ele. "Para um dado nível de preços em dólares de produtos comercializáveis, a apreciação cambial representa uma queda imediata e intensa de preços de venda e margens de lucro em reais em toda a cadeia que trabalha com preços internacionais, especialmente nos setores que não têm poder de mercado."

O dólar barato reduz os preços de máquinas e equipamentos importados, mas isso "está longe de compensar a redução nos lucros que, baixos, não estimulam o investimento", diz ele. Gala também acredita que "os aumentos das importações de bens de capital são primordialmente direcionados para a substituição da produção de máquinas e equipamentos, o que por si só pode reduzir nossa capacidade de inovação".

Fã do modelo asiático, Gala considera fundamental o país perseguir uma taxa de câmbio competitiva, para estimular o setor de exportação de manufaturas. "Os principais ganhos de produtividade da economia vêm desse setor", diz ele, lembrando que a necessidade de concorrer no mercado externo obriga as empresas a buscar inovações tecnológicas.

"Um câmbio real mais depreciado poderá aumentar o nível de renda via exportações, reduzir o nível de consumo, aumentar a poupança interna, reduzir a poupança externa e aumentar o nível de investimento", afirma ele.

Além de reduzir a lucratividade dos exportadores de manufaturas, o câmbio valorizado aumenta o poder de compra dos salários. Isso estimula o consumo, e não o investimento, diz Gala.

Para ele, a recente queda na poupança doméstica se deve à persistente trajetória de valorização do câmbio. Nos quatro trimestres terminados em março, a taxa de poupança interna como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) ficou em 17,57%, mostrando queda pelo terceiro trimestre seguido (veja quadro). Os ortodoxos argumentam que o modelo asiático não pode ser implementado por aqui por causa das diferenças no nível de poupança, que na China chega a cerca de 50% do PIB. Para Gala, porém, esse quadro pode ser mudado com a estratégia do câmbio competitivo.

Ele cita um estudo dos economistas Eduardo Levy Yeyati, do Banco Mundial e da Universidade Torcuato di Tella, e Federico Sturzenegger, da Universidade de Harvard e também da Torcuato di Tella, que mostra evidências de que um câmbio desvalorizado induz a maior crescimento dos países, justamente por estimular a poupança e o investimento.

Gala reconhece que a estratégia do câmbio competitivo pode ser "politicamente delicada", porque reduz o nível real dos salários. Nesse cenário, ele diz que "políticas compensatórias devem ser usadas no curto prazo para compensar a queda relativa do salário real", lembrando ainda que tentativas de elevações salariais "pela via da sobrevalorização do câmbio têm se mostrado bastante problemáticas". O aumento sustentado dos salários reais passa "pela redução do desemprego e a incorporação dos trabalhadores aos setores dinâmicos da economia mundial, como bem mostraram as experiências asiáticas de sucesso", afirma ele, ressaltando a importância de ganhos de produtividade que sustentem o aumento de renda dos trabalhadores.

Mas como o Brasil conseguiu aumentar o investimento a taxas superiores a dois dígitos desde 2006, mesmo com a contínua valorização do câmbio? Para Gala, esse processo se deve ao forte tombo dos juros reais nos últimos anos e ao boom da construção civil. "O câmbio não é obviamente o único fator que estimula o investimento. Os juros reais ainda estão altos, mas eles caíram de 14% a 15% para 7% a 8%, uma queda significativa."

O problema, para Gala, é que o investimento não terá muito mais fôlego se o dólar continuar barato por muito tempo. O Brasil terá dificuldades para conseguir ganhos de produtividade e o déficit em transação corrente pode aumentar de modo insustentável, diz Gala, preocupado com a deterioração nas contas externas. Ele diz, porém, que não acredita na repetição das crises dos anos 90, pois o país tem US$ 200 bilhões de reservas e se tornou grau de investimento, o que pode garantir um fluxo maior de capitais. O caminho do crescimento sustentado a taxas elevadas, porém, continuará distante, afirma Gala.