Título: G-8 cobra garantias de sustentabilidade do etanol do Brasil
Autor: Moreira , Assis
Fonte: Valor Econômico, 08/07/2008, Internacional, p. A9

AP Barroso (na foto, ao chegar a Sapporu, no Japão) cobrou "plano de ação verificável" para combater o desmatamento O presidente da Comissão Européia, José Durão Barroso, cobrou ontem do Brasil garantia de sustentabilidade do bioetanol - de que não destrói a Amazônia e não substitui produção agrícola. E deixou claro que o país só poderá avançar sua estratégia de transformar o bioetanol em commodity global se assumir "comprometimentos concretos" no combate a mudança climática.

As pressões sobre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aumentaram na véspera de sua participação no encontro anual do G-8, grupo das maiores economias e espécie de diretório econômico do planeta, refletindo a dificuldade da tarefa de propagar o etanol depois da virada na imagem do combustível.

O G-8 prepara-se para discutir nesta terça-feira o impacto do carburante verde na alta dos preços de alimentos. Indagado sobre o que esperava do Brasil, Barroso retrucou: "A UE defende que deve haver uso de bioetanol desde que não seja feito em substituição à produção agrícola e não destrua a floresta. Daí é importante que o Brasil e Lula dêem garantias de sustentabilidade do biocombustível".

Acrescentou que o "Brasil tem sido o campeão mundial na questão do biocombustível e a única forma de conseguir progresso nisso é precisamente com posição também mais ambiciosa na mudança climática, com comprometimentos concretos".

Para Barroso, a posição do presidente Lula sobre o clima na reunião com o G-8 será especialmente importante para influenciar o mundo em desenvolvimento. "Espero que seja um sinal importante para os países do Sul em geral", afirmou.

O encontro entre o G-8 e o G-5 (Brasil, China, Índia, África do Sul e México) ocorrerá nesta quarta-feira em meio a fortes divergências sobre o que fazer na luta contra a mudança climática, que implicará transformações gigantescas nas economias.

Pela quarta vez, José Durão Barroso representa a Comissão Européia no G-8 como membro pleno do grupo. Na prática, esse clube dos ricos tem nove membros, além dos Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Itália, Reino Unido, Canadá e Rússia.

Barroso conclamou os outros dirigentes a adotarem o compromisso "ambicioso e significativo" e a reconhecerem que os ricos devem reduzir as emissões liquidas de gases de efeito estufa em pelo menos 50% até 2050 comparado aos níveis de 1999. Mas acha que os países desenvolvidos deveriam ir além e se comprometerem com reduções entre 60% e 80% - numa posição oposta à dos Estados Unidos.

Além disso, defendeu que o G-8 consiga pelo menos um acordo de "princípio" para os industrializados cortarem emissões no médio prazo, provavelmente 2020, como reclamam as nações em desenvolvimento.

Nesse cenário, a UE quer engajar também os emergentes como Brasil, China e Índia e países em desenvolvimento em função de suas "responsabilidades comuns, mas diferenciadas e de suas capacidades respectivas".

Os europeus explicam que os "compromissos" com metas para os cortes ficam com os países ricos. E que, do lado dos emergentes como o Brasil, o que se quer é "plano de ação", por exemplo, para combater o desmatamento, desde que seja "verificável e monitorável".

Em entrevista em português, enquanto uma dezena de jornalistas japoneses gravavam tudo sem entender nada, Barroso disse que que a UE está pronta a apoiar esses países com tecnologia e financiamento, inclusive para acelerar a produção da segunda geração de biocombustíveis, que não competem com a produção de alimentos.

No debate global sobre o impacto do biocombustível, ele reiterou que não é contra e sim a favor do carburante verde porque acha que pode ser parte da resposta de energia renovável para reduzir as emissões.

"Não é a solução, mas parte da solução", afirmou.

Mais tarde, uma fonte européia esclareceu que a União Européia vê exagero nas criticas envolvendo impacto de etanol na crise alimentar e que Bruxelas é "realmente" favorável ao produto sustentável.

Explicou que a garantia de etanol sustentável cobrada por Barroso ao Brasil poderia vir através de acordo bilateral, exigência de Bruxelas já revelada pelo Valor. Os europeus argumentam que isso é necessário até para tranqüilizar os investimentos no setor, de que o produto não será afetado no comércio internacional.

"O ideal seria fazer isso num acordo internacional, como na Rodada Doha, mas como vai complicar, então é passar mesmo por acordo bilateral", disse a fonte.

Um relatório do Programa das Nações para o Meio Ambiente confirma que capital-risco e capital-investimento nos biocarburantes diminuíram quase um terço nos Estados Unidos no ano passado, ficando em US$ 2,1 bilhões. Mas que o investimento no carburante verde não terminou completamente, com uma transição em direção ao Brasil, à Índia e à China.

Os europeus lembram que um ponto crucial da parceria estratégica da UE com o Brasil é na área energética, que significa basicamente etanol. Mas que Brasília precisa mostrar que o desmatamento da floresta amazônica diminui, e não o contrário, como foi anunciado justamente quando o presidente Lula se encontrava em Roma, no mês passado, durante o encontro de cúpula mundial que discutiu medidas contra a crise alimentar.

Em outro sinal do que espera Lula, o primeiro-ministro britânico Gordon Brown desembarcou no Japão preparado para pedir moratória sobre alguns biocombustíveis, que um estudo britânico acusa de contribuírem para a crise alimentar global.

O estudo faz uma distinção entre o bom e o mau etanol, alvejando visivelmente o produto dos Estados Unidos feito a partir de milho. No entanto, em meio ao debate, poucos fazem a distinção, o etanol brasileiro é também afetado e o plano brasileiro de tornar o produto uma commodity global também sofre.