Título: O marco legal do gás e o investment grade
Autor: Mayon , Paulo
Fonte: Valor Econômico, 08/07/2008, Legislação & Tributos, p. E2
Nos últimos dez anos, a relevância do gás na matriz de consumo brasileira aumentou significativamente. O que antes era considerado um problema, por conta do consumo inexpressivo, com conseqüente ociosidade dos dutos e baixo interesse na exploração, passou a ser indispensável para as atividades industriais, comerciais e residenciais, assim como no complemento da matriz de geração de energia elétrica.
Entre 1990 e 2007, o consumo do gás no Brasil cresceu 400%, passando de 9 milhões para 45 milhões de metros cúbicos por dia. Apesar de a importância da commodity ter crescido nos últimos anos, ela ainda é tratada apenas pela Lei do Petróleo - a Lei nº 9.478, de 1997 -, que não tem se apresentado como instrumento jurídico hábil e suficiente para disciplinar o tratamento necessário para o setor do gás.
É inegável o avanço que a Lei do Petróleo trouxe ao país. Um de seus maiores legados, além da criação da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), foi a promoção de sucessivas rodadas de licitações para a outorga de direitos de concessão, muitas delas proveitosas para o Brasil e para os investidores.
Os investimentos de longo prazo em infra-estrutura de transporte são indispensáveis para escoar o gás natural dos centros produtores para os distantes pólos de consumo no Brasil. Para que isso se torne uma realidade, alguns fatores precisam ser considerados: a existência de consumidores com desejo de contratar o produto por prazos extensos e confiantes na disponibilidade da commodity; e os investidores se sentindo seguros pelo marco legal para aportar somas altas de capital na atividade de exploração e produção e em infra-estrutura.
A ausência de um marco regulatório específico para o gás, associado à posição monopolista vivenciada nesse segmento da economia, é reflexo de um passado em que a debilitada estabilidade econômica afastava investidores desse setor e o foco na auto-suficiência do petróleo relegava ao produto um papel secundário. Esse cenário traz riscos já conhecidos, como o desabastecimento, a arbitragem de preços e a conseqüente falta de previsibilidade em relação ao volume da commodity que poderá ser comprada. Esses riscos precisam ser urgentemente gerenciados e mitigados, sob pena de o país adiar por mais uma década o uso eficiente do gás natural nos processos produtivos e, mais grave, debilitar indústrias pujantes, como a de vidros, cerâmica e química.
Em uma situação de monopólio, a teoria econômica comprova que uma empresa tem, muitas vezes, incentivos até para se comportar de forma ineficiente para atingir seus objetivos, como, por exemplo, restringindo a oferta de determinado produto, seja para aumentar o seu preço ou para escoar produtos substitutos. Adicionalmente, quando o monopólio está verticalizado, deixam de existir incentivos para a busca de maior eficiência no processo produtivo e logístico.
-------------------------------------------------------------------------------- A sociedade precisa de um novo marco legal, capaz de atrair mais investimentos e competição --------------------------------------------------------------------------------
Como parte da solução para esse complexo problema, o trabalho desenvolvido por meio do Substitutivo nº 334, de 2007, de autoria do deputado João Maia (PL/RN), que tramita atualmente na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal como Projeto de Lei Complementar nº 90, de 2007, traz importantes mudanças que dependem, no momento, apenas da boa vontade e da prioridade dos senadores para aprovação final.
Entre outros pontos, o Projeto de Lei Complementar nº 90 visa a proteger os investimentos iniciais já realizados na área de gás, adiciona a caracterização das "essential faclilities" e, sobretudo, preserva os princípios básicos das legislações específicas dos Estados e da Lei nº 9.478, que trata da política energética nacional. O destaque do projeto está na definição da concessão como regra básica, deixando a alternativa de autorizações apenas para os casos justificáveis, como gasodutos de transporte que fazem parte de acordos internacionais e de interesse específico, atendendo a apenas um único usuário final. Essa medida incrementa as possibilidades de desenvolvimento da área, pois por meio das licitações diversas empresas poderão se interessar em participar mais ativamente dessa cadeia de fornecimento.
Importante citar também o avanço na proposta que o projeto traz em relação ao livre acesso de terceiros e ao incentivo às parcerias público-privadas (PPPs) para viabilizar os investimentos necessários para atender os consumidores. É esse público que, após anos de incertezas, interrupção ou redução dos volumes importados da Bolívia, cortes e racionamentos brancos via elevação do preço, merece um cenário mais estável de abastecimento para seu planejamento.
A conquista do "investiment grade" pelo Brasil também traz segurança ao setor de gás e pode melhorar o aporte financeiro na área. Para as empresas brasileiras interessadas em investir localmente, a classificação auxilia na tomada de crédito no exterior, já organizações internacionais podem conseguir com mais facilidade autorizações para aplicar recursos no país.
A sociedade precisa de um novo marco legal, capaz de atrair mais investimentos, competição e, especialmente, proporcionar segurança no abastecimento de gás. É essencial que o modelo de gestão da commodity no Brasil esteja baseado na disponibilidade do produto e em preços competitivos, para transmitir confiança aos investidores e aos consumidores.