Título: Dados brasileiros não incluem desmatamento
Autor: Chiaretti , Daniela
Fonte: Valor Econômico, 10/07/2008, Internacional, p. A12

O ranking dos países emissores de gases do efeito-estufa que o presidente Lula citou no Japão aos líderes do G-8 conta só uma parte da história do aquecimento global. É como se se comparassem apenas as emissões urbanas, ou quanto as cidades jogam na atmosfera ao queimar combustíveis fósseis como petróleo e carvão. Neste quesito, como o Brasil tem matriz energética baseada em hidrelétricas, considerada limpa, o país fica no 18º lugar da lista. O problema brasileiro não é este - e o presidente Lula deve saber disso de cor. A questão são as emissões provocadas pelo desmatamento - quando elas entram na conta, o Brasil salta para a 4ª posição da lista.

"Qual ranking era? Aquele em que o Brasil aparece em 18º lugar?", comentou o físico José Goldemberg, por telefone e sem ver lista alguma, ao saber da fala de Lula no Japão. Os dados da Energy Information Administration (EIA), a agência de energia dos Estados Unidos, são conhecidos dos cientistas e inquestionáveis. "Não há discordância sobre eles, são números muito confiáveis que apontam a quantidade de carvão, de gás e de petróleo que os países consomem e quanto isso produz de gases do efeito estufa", diz Goldemberg.

A dificuldade está na outra tabela, a que inclui as emissões que aparecem com a mudança no uso da terra, que no caso do Brasil significa desmatamento por corte raso, por queimadas, pela substituição de florestas por pastagens. "Estes são dados muito mais complicados de analisar, porque os países não têm números muito precisos sobre isso", diz o ex-secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. São as emissões produzidas quando o carbono das árvores é lançado na atmosfera pela ação das queimadas ou quando troncos e galhos se decompõem. Na tabela exibida aos líderes do G-8 pelo presidente Lula, a Indonésia, país que é um grande emissor de gases-estufa pelo desmatamento veloz e feroz de suas florestas, aparece em 19º lugar, logo abaixo do Brasil.

No ranking dos maiores emissores de gases-estufa do mundo, cada país apresenta a lista como lhe convém. A China, por exemplo, que surge como o maior emissor do mundo desbancando os EUA em função do crescimento econômico e da matriz energética baseada em carvão, prefere, naturalmente, classificações que usam como critério as emissões per capita. Na tabela que o presidente Lula levou ao Japão, a China está na 8º posição, com 4 toneladas/habitante de CO2 de origem fóssil, e os Estados Unidos têm a liderança inconteste, com mais de 20 toneladas de gás carbônico por habitante.

O Brasil, evidentemente, prefere rankings que mostram apenas as emissões de origem fóssil. Apenas 25% das emissões do país vêm dos combustíveis fósseis, todo o resto vem do desmatamento de acordo com os dados do último (e único) inventário de carbono do país, com dados de 1994. O Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) está produzindo o segundo inventário de carbono brasileiro há alguns anos.

A tabela que o presidente Lula levou na mala vem com o timbre da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que pegou os números da agência americana e fez cruzamentos com dados de população e área territorial - e isto, talvez, tenha causado surpresa nos líderes dos países mais ricos do mundo. Diante da gravidade dos cenários do aquecimento global no mundo, a reação foi patética. O presidente George Bush logo quis saber da situação da Alemanha; Sarkozy, à frente de um país de energia "limpa" pelo recorte do aumento da temperatura da Terra (a base energética da França é a nuclear) ficou se comparando à África do Sul, que tem muito carvão. Talvez eles reajam de outra forma quando seus técnicos decodificarem a tabela parcial que o presidente brasileiro exibiu.

Os cientistas não gostam deste tipo de discussão. "Em Ciência não se briga com números, mas com a sua interpretação", diz Goldemberg. "Vejo com tristeza o governador do Mato Grosso questionando os números de desmatamento do Inpe. Dados são dados. Estes, lamentavelmente são muito ruins", prossegue.