Título: Novo debate sobre mísseis
Autor: Weitz , Richard
Fonte: Valor Econômico, 10/07/2008, Opinião, p. A15
O debate entre os EUA e a Rússia sobre os planos americanos de alocar defesas contra mísseis balísticos na Europa está voltando a esquentar. Persistentes divergências com a Polônia sobre suas condições para aceitar mísseis interceptores defensivos levaram autoridades americanas a sugerir que poderão considerar a Lituânia como um sítio de alocação alternativo. Essa mudança parece ter por objetivo pressionar a Polônia a exibir maior flexibilidade nas negociações, mas a idéia de os EUA estabelecerem bases militares em um país que no passado fez parte da União Soviética (URSS) provocou a ira do Kremlin.
Em junho, o negociador-chefe americano sobre a questão, John Rood, voou para a Lituânia para reportar a seu governo sobre o status das negociações polaco-americanas. Os EUA estão buscando colocar 10 mísseis interceptadores na Polônia e uma estação de radar avançada para defesa contra mísseis na República Tcheca. Nesta semana, a secretária de Estado, Condoleezza Rice, visitou Praga para firmar um acordo com os tchecos, mas as conversações polaco-americanas continuam empacadas.
Embora o Departamento de Estado dos EUA tenha se negado a admitir uma caracterização das discussões de Rood em Vilnius como negociações formais sobre um possível sítio alternativo, o Departamento de Defesa admitiu que os EUA estão considerando outras opções, caso as conversações com a Polônia permaneçam em impasse.
O ministro da Defesa lituano, Juozas Olekas, embora tenha afirmado esperar que a Polônia e os EUA cheguem a um acordo, acrescentou que "a Lituânia consideraria a possibilidade de participação no escudo antimísseis, se solicitada. Devemos ponderar todos os aspectos positivos e negativos".
Dois fatores impediram a consumação de um acordo polaco-americano. Autoridades disseram que a Polônia quer uma compensação na forma de modernização militar bancada pelos EUA e outras medidas, com o objetivo de assegurar que a segurança polonesa não seja prejudicada pela alocação de radares. Com efeito, autoridades russas sinalizaram sérias retaliações em caso de a Polônia aceitar os interceptadores.
Nos últimos meses, autoridades americanas apresentaram propostas visando afastar preocupações russas com sua segurança diante das planejadas defesas contra mísseis balísticos (BMD, em inglês). As medidas de estímulo à confiança visam incrementar a transparência de operações na base antimísseis para o governo russo e para limitar qualquer ameaça teórica que os sistemas poderiam criar para o arsenal de mísseis da própria Rússia.
Por ocasião da cúpula com o presidente Bush em Sochi, em abril de 2008, o então presidente russo Vladimir Putin elogiou o que, atipicamente, qualificou de sinceros esforços americanos para atender as preocupações de segurança russas. Putin disse à mídia que, "sem dúvida, em princípio medidas adequadas de estímulo à confiança e transparência podem ser encontrados". Mas o ministro de Relações Exteriores russo, Sergei Lavrov, disse recentemente que o diálogo russo-americano sobre medidas para estimular a confiança "empacou".
Não são claros os detalhes específicos sobre o que os americanos estão oferecendo, mas fontes russas e americanas revelaram seu conteúdo básico. Os EUA propuseram que técnicos russos poderiam, com a aprovação de governos hospedeiros, realizar inspeções detalhadas nas bases. Além disso, autoridades americanas dispuseram-se a colocar os sistemas em operação apenas quando o Irã demonstrar sua capacidade de atacar a Europa com mísseis balísticos. Finalmente, autoridades americanas indicaram que poderiam aceitar limites à escala de seus sistemas BMD alocados nas proximidades da Rússia para evitar riscos de predomínio sobre o arsenal de mísseis balísticos da própria Rússia.
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A tradução desses conceitos em limites operacionais para controle de armamentos revelou-se problemática.
Para início de conversa, continua nebuloso qual seria o papel da Rússia na determinação da capacitação iraniana de ameaçar a Europa com ataques de mísseis, o que justificaria ativar os interceptadores de mísseis na Polônia. Os dois lados têm divergido há anos sobre se o Irã constitui uma ameaça real à segurança da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
Não é de hoje que analistas russos acusam os americanos de exagerar a capacidade militar iraniana para justificar uma alocação de sistemas BMD na Europa, que na realidade visa se contrapor aos recursos de dissuasão nuclear russos. Autoridades americanas insistem que não darão à Rússia o direito de vetar as operações das defesas ocidentais contra mísseis.
Além disso, Putin e outras autoridades russas estão exigindo que a Rússia tenha direito a uma presença permanente nas instalações da BMD para monitorar sua operação. Lavrov declarou publicamente que a Rússia insiste em ter uma presença militar permanente nos sítios onde os EUA pretendem implantar os sistemas BMD na Polônia e na República Tcheca, com o objetivo de monitorar eventos nas instalações "segundo a segundo".
Líderes tchecos e poloneses, recordando períodos passados de ocupação russa e soviética, rejeitam categoricamente a posição de anfitriões dos russos. Um dia após a cúpula em Sochi, o vice-ministro de Relações Exteriores polonês, Witold Waszczykowski, advertiu que uma "presença russa na Polônia está fora de questão. Essa solução já foi tentada no passado e não se repetirá". Em 5 de junho, o ministro de Relações Exteriores, Radoslaw Sikorski, reafirmou que a Polônia está disposta a permitir que representantes do governo russo tenham "acesso regular às bases para inspeções", mas opõem-se à "presença permanente" cobrada por Moscou.
No passado, a República Tcheca e a Polônia também buscaram reciprocidade do Kremlin, mas autoridades russas desconsideraram, taxando de "ridícula" a idéia de assegurar a representantes tchecos ou poloneses acesso a instalações de defesa russas, até mesmo em inspeções de curto prazo, e os tchecos e poloneses parecem ter descartado a idéia.
Apesar disso, também permanecem incertos os passos que poderiam dar os EUA para superar os temores russos de uma ruptura do equilíbrio atual de BMDs, quando, por exemplo, os americanos ampliassem rapidamente a capacidade de suas defesas contra mísseis em torno da Rússia. Por exemplo, não está claro onde esses limites poderiam ser aplicados, durante que prazo e se poderiam ser restritos a pesquisas conjuntas sobre BMDs e a programas de desenvolvimento que os EUA estão conduzindo em associação com aliados estrangeiros, como Austrália, Israel e Japão.
Além disso, não está claro como essas medidas seriam impostas. O governo Bush esquiva-se a firmar acordos armamentistas excessivamente rígidos, capazes de restringir a flexibilidade americana ao reagir rapidamente diante de ameaças emergentes. Em recentes negociações envolvendo controle de armamentos, porém, as autoridade russas rejeitaram acordos informais, insistindo que os Estados Unidos negociem tratados formais, de cumprimento obrigatório perante a lei. Não é despropositado que os líderes russos preocupem-se que um futuro governo tcheco, polonês, lituano ou americano possa simplesmente decidir parar de fazer cumprir quaisquer entendimentos informais, confrontando a Rússia com um fato consumado.
Richard Weitz é pesquisador sênior e diretor do Program Management no Hudson Institute. © Project Syndicate/Europe´s World, 2008. www.project-syndicate.org