Título: BNDES venderá ações para financiar projetos
Autor: Santos , Chico ; Góes , Francisco
Fonte: Valor Econômico, 10/07/2008, Especial, p. A16

O crescente descompasso entre as aprovações de projetos pela diretoria e o desembolsos de recursos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) - o que evidencia demanda superior à capacidade de atendimento - não vai fazer com que o banco estatal desista do seu crescente interesse em apoiar processos de consolidação setorial. Segundo João Carlos Ferraz, diretor de planejamento da instituição, essas operações serão financiadas com recursos da polpuda carteira de ações do banco, que no fechamento do balanço de 2007 estava avaliada em R$ 88 bilhões.

"A carteira de ações do banco é suficiente para desativar e ativar, desinvestir ou investir na proporção requerida neste momento pelas operações de fortalecimento patrimonial. Então, todo o processo de investimento e desinvestimento (da carteira) financiará as consolidações patrimoniais sem muitos problemas. O problema de 'funding' do banco está fora da área de consolidação patrimonial", afirma o executivo.

Responsável por pensar estratégias na diretoria do BNDES, Ferraz disse também que, por serem recursos originários do mercado de capitais, as operações por eles financiadas não serão indexadas pela Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), a taxa básica dos empréstimos do banco, mas sim pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação oficial do país.

Feita a ressalva, Ferraz afirma que essas operações de reestruturação e consolidação, seja para que a empresa ganhe escala no mercado doméstico, seja com vista a processo de internacionalização, "são desejáveis, desde que a autoridade de defesa da concorrência examine, avalie, monitore e garanta que o consumidor não será negativamente afetado".

Quais as áreas prioritárias a serem apoiadas? "Na Política de Desenvolvimento Produtivo existem algumas pistas, mas eu não vou falar nada se não houver nenhuma ação concreta do banco", disse Ferraz. "O banco deve ter uma posição estratégica de fortalecer as empresas brasileiras, sem discriminação. Deve fortalecer a empresa que dê empregos qualificantes (que ofereçam oportunidade de desenvolvimento ao trabalhador), que desenvolva fornecedores e que se enraíze, principalmente em relação à sua capacidade de inovação, além de gerar empregos de qualidade", explica o diretor.

Com base no roteiro da nova política industrial, Ferraz cita dois blocos setoriais candidatos a receberem apoio à consolidação: o daqueles setores onde predominam as pequenas e médias empresas e que precisam ganhar escala, que vai de ramos tradicionais, como o têxtil, o de calçados, vestuário, móveis, equipamentos mecânicos, até setores mais recentes, como as indústrias de tecnologia da informação, empresas de softwares e o segmento de transformação de plásticos.

Entre os grandes setores, cujo objetivo é dar às empresas "uma dimensão internacional", o de celulose está mais em evidência, mas o banco também vem apoiando iniciativas na área farmacêutica. O diretor de insumos básicos do banco, Wagner Bittencourt, cita ainda o etanol, embora Ferraz considere que esse setor ainda está "começando" e mantém "uma variedade patrimonial muito grande, cuja tendência é diminuir no futuro".

"Esse processo virá? Virá. A pergunta que fica em aberto é em que velocidade e em quantos setores irá efetivamente ocorrer. Em carnes foi muito rápido. A indústria era muito informal há poucos anos e agora você tem dois ou três grupos que estão se movendo", acrescenta Ferraz. O banco já investiu R$ 1,5 bilhão no capital da Friboi e deve ampliar essa participação para R$ 2,5 bilhões. No caso da compra da Brasil Telecom pela Oi, Bittencourt afirma que a participação do banco foi exclusivamente para a reestruturação da Oi. "O apoio do banco não foi para a compra da BrT", diz.

Tanto Ferraz como Bittencourt enfatizaram que em nenhum dos setores que venham a se reestruturar o BNDES tomará a iniciativa antes do setor privado. "Se antes se dizia que o BNDES buscava 'desenvolver o mercado de capitais', agora a proposta é 'desenvolver com o mercado de capitais", disse o diretor de planejamento. "O banco não é a mola que decide, quem decide é o setor privado", reforça o diretor de insumos básicos.

A geração de caixa pela área de mercado de capitais do banco para apoiar esses movimentos de consolidação deve ser feita, segundo Ferraz, levando em conta a estratégia do banco de onde investir ou desinvestir por meio da sua área de mercado. "A gente tem uma estratégia no banco sobre onde ele vai ficar (investir). Essa é uma estratégia difícil de explicitar", esquiva-se Ferraz.

Segundo ele, o "eixo básico" dos investimentos do banco em ações será sempre dado pelas prioridades, que hoje contemplam todas as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), energia, inovação, capacidade produtiva de bens de capital e insumos para as cadeias de alimentos, construção e agronegócio em geral.

Recente relatório do JP Morgan analisando alternativas do banco para gerar caixa com desinvestimento em ações, cita papéis de empresas como Light, Brasiliana, Copel, CPFL e Cemig, todas do setor elétrico, além de CSN, Usiminas e Gerdau, do siderúrgico, como algumas candidatas a serem ofertadas.

Ferraz ressalta que o uso de recursos da carteira de ações para apoio a operações de consolidação, por exemplo, vai liberar "a moeda mais preciosa do banco", que é o financiamento em TJLP, para aquilo que for realmente prioritário para o BNDES. E, nesse caso, independe de a empresa beneficiária ser grande, média ou pequena. "Se uma grande empresa for fazer um investimento associado a essas prioridades, vai receber TJLP, se necessário. Se não for uma prioridade, usaremos mais outras moedas", exemplifica.

De acordo com o diretor, o essencial para o BNDES é que os investimentos em capacidade produtiva mantenham-se à frente do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Isso, segundo ele, justifica os movimentos que vêm sendo feitos, como a redução do nível de participação em projetos de algumas áreas. Esses movimentos, segundo ele, são muitas vezes compensados por ações em sentido contrário. No caso dos bens de capital, por exemplo, o banco reduziu de 100% para 80% o nível de participação nos projetos, mas reduziu os spreads e aumentou os prazos de cinco para até dez anos.

"A mesmice está acabando, no sentido de que era um banco com uma oferta grande de TJLP buscando investidores para fazer operações muito atrativas para o país. Hoje, o mundo está cada vez mais complexo. É necessário um choque de criatividade financeira, mas com muita prudência. Esse é o desafio", resume Ferraz.