Título: Mercado exige preparação
Autor: Ragazzi , Ana Paula
Fonte: Valor Econômico, 10/07/2008, EU & Investimentos, p. D1

Quatro anos depois da retomada de aberturas de capital na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), bancos, escritórios de advocacia e empresas de auditoria repetem em coro que, para lançar ações, uma empresa precisa estar preparada.

A conclusão aparentemente óbvia surgiu depois do insucesso de algumas operações em 2007, em que as cotações dos papéis das novatas rapidamente caíram abaixo do preço fixado na oferta.

O escândalo envolvendo a Agrenco, com seus controladores presos pela Polícia Federal e suspeitos de cometer crimes financeiros, só reforçou o tema. Depois da Agrenco, o UBS Pactual recomendou a venda de ações de Laep (Parmalat) e Dufry, com sérias críticas à governança empresarial de ambas.

A pergunta de todo o investidor que acreditou nas promessas não cumpridas é por que só agora a ênfase na importância da preparação antes de a companhia lançar-se ao mercado?

A resposta vem com a admissão, por parte dos estruturadores dessas operações, de que o que se viu em 2007 no mercado brasileiro - 64 ofertas iniciais e R$ 55,5 bilhões captados - foi o efeito de uma bolha especulativa.

"Com a perspectiva do grau de investimento, o Brasil era a bola da vez e ninguém queria ficar de fora de aplicações por aqui", diz Eduardo Borges, sócio do banco Modal. "O apetite foi tamanho que o mercado abraçou tanto os projetos excelentes quanto os fracos."

Aparentemente, a bolha só estourou depois que a liquidez do sistema financeiro internacional secou, por conta da crise de crédito nos Estados Unidos. A janela de mercado fechou e a pequena liquidez das novatas dificultou a saída de investidores estrangeiros, que se tornaram então avessos às ofertas brasileiras e passaram a ser mais exigentes antes de aderir às operações. Antes, sobravam recursos, uma vez que as empresas vendiam uma história de crescimento de suas atividades e do país à espera do grau de investimento. Da irracionalidade, característica de bolha, restaram investidores mais exigentes e o discurso afinado sobre a necessidade de preparação antes de pensar em abrir o capital.

"Houve correria para colocar em andamento operações, diante tanto do apetite dos bancos quanto das empresas", diz Ivan Clark, sócio da PricewaterhouseCoopers. "Depois de ver, por exemplo, a quantidade de milionários que surgiram no país nos últimos anos, os olhos dos donos também cresceram", diz.

A pressa acabou por levar empresas que não tinham condições, estrutura e canal de comunicação adequado com o mercado. Dois pré-requisitos são agora considerados fundamentais na preparação para a abertura de capital: porte da empresa - e, conseqüentemente, da emissão - e a qualidade dos administradores.

Para acessar o Novo Mercado, agora, a captação tem de ser de, pelo menos, R$ 500 milhões, para garantir liquidez aos investidores e as perspectivas da operação. A empresa tem de mostrar resultados passados de sucesso e um plano coerente de crescimento futuro. Segundo um profissional de um grande banco, por meio da análise das capacitações e credibilidade dos administradores, o investidor poderá se sentir mais ou menos confortável ao avaliar se a empresa terá condições de entregar o que prometeu. Muitas novatas sofreram na bolsa simplesmente porque não seguiram a destinação de recursos escrita no prospecto.

Para a advogada Ana Carolina de Salles Freire, da Tozzini Freire, é importante que a empresa já saia com um conselheiro independente. O maior sucesso do mercado doméstico deste ano, a OGX, teve o cuidado de atender a esses requisitos - colocação bilionária e administradores retirados de grandes empresas, em particular da Petrobras.

Ana diz que é possível afirmar que, na média, quem saiu com a oferta em dois ou três meses sofreu mais na bolsa do que a empresa que fez uma preparação por um período maior, no prazo de um ano. "Esse período curto, para aproveitar a janela de mercado, dependendo do estágio em que se encontrava a companhia não foi suficiente para que ela alinhasse a sua estratégia e também compreendesse a cultura do mercado de capitais", diz a advogada. O fato, segundo ela, é que quem apressou a operação acabou tendo que continuar arrumando a casa na frente do mercado, o que pesou.

No ano passado, em eventos que reuniam empresas e agentes distribuidores de ofertas, a principal pergunta era: em quanto tempo pode ser feita a abertura de capital? Dois ou três meses, diziam os bancos. Hoje, a resposta não se atém mais a prazos, mas sim à dependência do estágio e das estruturas da companhia.

Rodolfo Zabisky, presidente da MZ Consult, que assessora empresas em processo de abertura de capital, afirma que em alguns momentos o empresário achava que a sua companhia valia mais do que o apontado pela avaliação dos bancos coordenadores. "Houve casos de o empresário, então, prometer um pouco mais do que poderia entregar, para justificar o preço que ele achava ser mais coerente."

Segundo o executivo da MZ, também houve atropelos naturais. "Às vezes a empresa captou para fechar aquisições de três companhias até o fim do ano. Mas não houve a velocidade pretendida para completar as operações ou a análise apropriada mostrou que o negócio não era bom e não deveria ser fechado."

Aqui, avalia, entra a capacidade da empresa de se comunicar com o mercado e explicar as mudanças de cenário . "Uma empresa preparada tem de ser realista e conservadora na hora de fazer suas promessas", afirma. Por outro lado, tem de estar atenta à construção de uma área de relações com investidores desde o primeiro momento em que decidir tornar-se pública.

"O profissional de relações com investidores é fundamental no processo. A função, como era comum no passado, não pode ser acumulada por outro executivo, geralmente o diretor financeiro", afirma Pedro Lanna Ribeiro, advogado e sócio do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão. "Ele tem de ser dedicado e especializado e a diretoria tem que ter a disposição de auxiliá-lo com informações para o seu melhor desempenho", diz.

Zabisky, da MZ, acrescenta que o profissional de RI tem de ser um exímio vendedor e falar inglês perfeitamente - e afirma que houve casos de empresas que entregaram a função a pessoas que não dominavam o idioma. Ele lembra que a criação de valor para o acionista também significa administrar as expectativas dos analistas e da imprensa. "Se existir uma força de vendas das ações, essa pessoa precisa ter conhecimento total dos negócios da empresa e das concorrentes, para mostrar credibilidade."

Para Clark, da PwC, também os bancos não estavam preparados para a diversificação que chegou ao mercado, uma vez que não havia capacidade de análise de todas as empresas e novos setores que chegaram ao mercado.

"Não havia pessoas especializadas para acompanhar os diversos segmentos. Em um momento crítico como o que viveu ano passado, as companhias menores tiveram problemas relevantes devido à falta de preparo e de conhecimento", afirma.

José Diaz, sócio da Demarest e Almeida, destaca que, antes de optar por lançar ações, a companhia deveria avaliar a possibilidade de ganhar profissionalização via associação com fundos de participações, por exemplo. Lanna Ribeiro diz ainda que as condições extremamente favoráveis de 2007 fizeram com que empresas mais indicadas ao segmento de acesso, o Bovespa Mais, entrassem no Novo Mercado. "Isso acabou retirando de empresas de porte menor a oportunidade de se adequar gradualmente às exigências do mercado de capitais", afirma. Na visão de Clark, da PwC, a bolha deixou um aspecto positivo, já que muitas empresas que jamais cogitariam acessar o mercado agora o colocaram em seus planos. "Aquele jogo apressado acabou e elas esperam um novo campeonato começar."