Título: Investidores brasileiros e acordos bilaterais
Autor: Escobar , Alejandro
Fonte: Valor Econômico, 10/07/2008, Legislação & Tributos, p. E2

No ano 2000, as Nações Unidas estimavam que 173 países teriam assinado acordos para a promoção e proteção recíproca de investimentos - os chamados tratados bilaterais de investimento. À época, o número de tratados bilaterais já passava de 1.900, e hoje já atingiram casa dos 3.000. Com o aumento nos números, a geografia desse tipo de tratado também mudou. Uma grande parcela dos tratados bilaterais de investimento passou a ser concluída entre países em desenvolvimento, muitos dos quais são, ao mesmo tempo, fornecedores e receptores de capital.

O Brasil não possui tratado bilateral de investimento algum em vigor. Apesar de ser signatário de 14 desses acordos, jamais obteve as respectivas ratificações perante o Congresso Nacional. Entretanto, investidores brasileiros podem se utilizar de tratados bilaterais de investimento por meio do direcionamento de seus investimentos através de sociedades subsidiárias constituídas em determinados países.

Entre outras obrigações, tratados bilaterais de investimento exigem que os Estados receptores confiram aos investimentos abrangidos um tratamento justo e eqüitativo e indenização integral em caso de expropriação. Tais tratados também permitem que os investidores protegidos se utilizem de arbitragem internacional diretamente contra o Estado receptor do investimento para reclamar os direitos conferidos pelos referidos acordos. Muitos tratados possuem cláusulas estabelecendo a utilização de procedimento arbitral, nos termos da Convenção de Washington, de 1965. Tal convenção trata da solução de controvérsias entre Estados e investidores de outros Estados e é administrada por uma agência do Banco Mundial (Bird). O Brasil não é um Estado membro da Convenção de Washington.

Em novembro de 2007, a Bolívia se retirou da referida convenção. A ação boliviana coincidiu com medidas adotadas pelo seu governo no sentido de nacionalizar o setor de petróleo e gás do país. Investimentos de origem brasileira foram afetados pela política de nacionalizações boliviana, sem que lhes fosse conferida a proteção de um tratado bilateral de investimento entre Bolívia e Brasil. Todavia, investimentos entre fronteiras acabam por suscitar questões de direito internacional capazes de serem solucionadas por mais de uma forma. Tradicionalmente tal premissa se faz muito clara para companhias investindo no exterior quando o assunto é, por exemplo, planejamento fiscal. Da mesma forma, investidores possuem a alternativa de fazer uso de tratados bilaterais de investimento assinados por outros países, desde que tais tratados confiram em seus termos escopo amplo ao conceito de investidor.

Retomando-se o exemplo boliviano, diversos investidores estruturaram seus investimentos naquele país através de subsidiárias sediadas nos Países Baixos, um dos países com os quais a Bolívia possui um tratado bilateral de investimento em vigor. Certas questões se fazem relevantes acerca da abrangência do tratado em relação a investimentos de nacionais de outros países feitos na Bolívia via uma subsidiária neerlandesa.

-------------------------------------------------------------------------------- Os tratados permitem que investidores usem a arbitragem contra o Estado receptor dos investimentos --------------------------------------------------------------------------------

A questão principal diz respeito a quem poderia ser considerado um investidor neerlandês de acordo com o tratado? O tratado apresenta diversas definições para o termo investidor, aplicáveis concomitantemente. Segundo uma dessas definições, uma holding neerlandesa é um investidor neerlandês, uma vez que foi constituída sob as leis dos Países Baixos. Sob o tratado não há exigência de que tal sociedade seja controlada por cidadãos neerlandeses, que seu capital social seja de origem neerlandesa ou que desempenhe atividades econômicas nos Países Baixos. Segundo uma outra definição do tratado, uma sociedade boliviana é também considerada um investidor neerlandês, quando controlada direta ou indiretamente por um investidor neerlandês - como, por exemplo, uma holding neerlandesa.

De acordo com uma proeminente sentença arbitral proferida com base no tratado, o conceito de controle para que uma empresa boliviana seja qualificada como um investidor neerlandês resume-se à prova de que o investidor detém poder legal para gerir a sociedade. Isso pode ser atingido, por exemplo, pela detenção direta ou indireta da maioria do capital da sociedade boliviana. Não existe a necessidade de se demonstrar qual a nacionalidade do investidor detendo o controle final do grupo de companhias. Conseqüentemente, a sociedade boliviana, caso controlada por uma holding neerlandesa, poderá reclamar os benefícios do tratado, incluindo-se dentre eles o direito à arbitragem internacional contra a República da Bolívia.

Estruturas como a acima descrita têm sido constantemente utilizadas por investidores estrangeiros nos mais diferentes contextos. Investidores brasileiros, por exemplo, podem canalizar seus investimentos por meio de um terceiro país que seja membro da Convenção de Washington a fim de que suas subsidiárias possam acordar com os países receptores em submeter controvérsias à arbitragem sob os auspícios da convenção. Tal possibilidade é reconhecida e bem aceita pela jurisprudência.

A disponibilidade de proteção em favor de investidores de origem brasileira sob acordos bilaterais de investimento celebrados por outros países não é, portanto, anormal, inusitada ou surpreendente. Trata-se de uma questão de ordem jurídica dos países envolvidos, quanto à abrangência que tais países queiram dar ao conceito de investidor em seus tratados internacionais. Quando as definições forem amplas e inclusivas, entende-se que até sociedades controladoras que não tenham nenhuma outra conexão com o país em que foram constituídas serão qualificadas como investidoras caso detenham investimentos no outro país contratante.

Em um momento em que cada vez mais empresas brasileiras passam a investir no exterior, a canalização de investimentos via países participantes em tratados bilaterais de investimento se apresenta como uma alternativa disponível para a proteção destes empreendedores.

Alejandro Escobar e Carlo Verona são, respectivamente, "special counsel" e advogado do escritório Baker Botts LLP, de Londres

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