Título: Para entidade municipal, maioria terá restos a pagar
Autor: César Felício e Cristiane Agostine
Fonte: Valor Econômico, 29/12/2004, Opinião, p. A10
Nos cálculos da Confederação Nacional dos Municípios (CMN), quase metade das 5.564 prefeituras terminará o ano fora dos austeros limites fiscais da Lei de Responsabilidade Fiscal, considerada um dos fundamentos da nova cultura pública no país. A estimativa é superior a qualquer cifra oficialmente reconhecida pelas autoridades do Ministério da Fazenda. A CMN é a principal entidade de "lobby" dos prefeitos. A LRF cita três parâmetros para os gastos públicos: o endividamento dos municípios não pode ser superior a 1,2 vez a Receita Corrente Líquida (RCL), limitação do gasto com pessoal a 54% da RCL e a impossibilidade de o prefeito deixar restos a pagar para a próxima gestão. Esta última restrição é a que mais ameaça as finanças das prefeituras, segundo a CNM. A pena pode ser de um a quatro anos de prisão do prefeito para esta última transgressão à LRF. Nos demais casos, o prefeito pode ser multado em 30% do seu salário anual, valor que pode ser multiplicado se houver reincidência. Ainda não há dados com a atual situação das prefeituras - os Tribunais de Contas dos Estados (TCEs) acabaram de finalizar as prestações de contas de 2003 e não há no TCU nenhum levantamento nacional da situação dos municípios. Porém o cruzamento de dados de 2003 feito pela CNM mostra que mais da metade das prefeituras poderá deixar restos a pagar. "A situação dos prefeitos é gravíssima, pois eles têm de optar entre cumprir a LRF ou deixar sua população passando necessidades", afirmou o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski. Para ele, a imensa maioria dos prefeitos que vai deixar restos a pagar, "98%, 99%", não é corrupta. "É uma questão de necessidade", diz. Ziulkoski vai defender uma revisão geral da situação dos municípios do Brasil em março, quando ocorrerá a oitava marcha de prefeitos a Brasília. "Acho importante a Lei de Responsabilidade Fiscal, mas há distorções estruturais, os prefeitos são reféns da política que privilegia verbas para a União e para os Estados". Ele lembra que no Brasil só 4,5% dos impostos são municipais, enquanto a média internacional é de 16,5%. "Não temos a autonomia que a Constituição garante", diz. Ziulkoski ainda afirma que mesmo nesta pequena parcela tributária, a concentração é grande: apenas 120 municípios respondem por 98% de todos os tributos municipais arrecadados: "Precisamos repensar isto, pois é no município que a população vive e que a riqueza é gerada". A marcha dos prefeitos deste próximo ano, contudo, deve ter uma nova conotação e pode enfraquecer o debate para a reforma na LRF, algo cada vez mais defendido pelos prefeitos - inclusive alguns grandes nomes do PT, como Marcelo Déda, de Aracaju, e Fernando Pimentel, de Belo Horizonte. Nas últimas eleições houve uma renovação de 77% dos administradores municipais, ou seja, prefeitos que ainda não sentiram a realidade do aperto que a LRF causa em alguns casos. Somente em São Paulo, 366 novos administradores - ou 57% dos 644 municípios paulistas - participaram de cursos sobre a LRF ministrados pelo TCE de São Paulo. Esse índice é considerado alto e demonstra que agora, quando começa a segunda gestão municipal sob a LRF, deve aumentar a tendência de se privilegiar o equilíbrio nas contas públicas.