Título: Equipe de Serra teme rombo e quer mudar indexador
Autor: César Felício e Cristiane Agostine
Fonte: Valor Econômico, 29/12/2004, Opinião, p. A10
A renegociação dos compromissos da Prefeitura de São Paulo a curto prazo é a prioridade para a equipe do novo prefeito da cidade, José Serra (PSDB), nas primeiras semanas da nova administração. Integrantes da equipe de transição do tucano estimam que os débitos não-consolidados que Serra deverá herdar podem chegar a R$ 800 milhões. São compromissos que não deverão estar inscritos como restos a pagar, mas que terão que ser reconhecidos pelo novo prefeito sob pena de interromper serviços essenciais na cidade. Ao tomar posse, em 2001, a prefeita Marta Suplicy se deparou com uma situação análoga: teve que renegociar pendências de um valor no mesmo patamar, mas com uma receita sensivelmente menor que a projetada para 2005, que é de R$ 15,2 bilhões. Os débitos foram renegociados em troca de um forte ajuste que comprometeu o primeiro ano da administração petista. Agora já se teme a possibilidade de que haja fornecedores sem receber cujos créditos sequer foram liquidados. Ou seja: a dívida não está reconhecida formalmente. Indícios da gravidade do problema foram detectados pelo gabinete do vereador Ricardo Montoro (PSDB), o candidato de Serra para a presidência da Câmara. No fluxo da execução orçamentária deste ano, o montante de empenhos liquidados (com pagamento autorizado, mas não necessariamente já realizado) para investimentos caiu de R$ 198,8 milhões em setembro, o mês anterior às eleições, para R$ 33,1 milhões em novembro, no mês posterior. Os gastos com limpeza pública mostram uma realidade dramática: o total liquidado recuou de R$ 80,1 milhões em agosto para apenas R$ 67,2 mil em novembro. Para lidar com a dívida consolidada de cerca de R$ 30 bilhões, a prefeitura tende a não se contentar com soluções apaziguadoras, como a proposta feita pela atual prefeita Marta Suplicy em novembro de se estender de maio de 2005 para maio de 2006 o prazo final de enquadramento da dívida nos padrões exigidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Dificilmente, entretanto, o governo tucano proporá alterar os parâmetros legais, como a taxa de juros anuais sobre a dívida ou o limite do comprometimento da receita corrente líquida (RCL). O ponto que poderá ser contestado é o indexador para a correção monetária usado no acordo de federalização da dívida, que é o IGP. "Este indexador é um problema grave, porque é contaminado pelo câmbio e cresceu mais que a taxa da Selic nos dois últimos anos. Esta não é uma questão paulistana, mas afeta a todos os Estados e municípios. Não queremos discutir a rolagem da dívida, mas corrigir um vício de origem", afirmou o economista José Roberto Afonso, colaborador da equipe de transição do prefeito eleito. Caso encampe a bandeira de tentar mudar o indexador, Serra teria a adesão de outros prefeitos. A mesma proposta já foi defendida publicamente pelo novo prefeito de Salvador, João Henrique Carneiro (PDT). Mentor da Lei de Responsabilidade Fiscal no governo Fernando Henrique, Afonso é contra modificações no texto legal. "Estão confundindo uma crise federativa com uma crise da dívida. O problema não é o do endividamento dos Estados e municípios, mas sim da recentralização das receitas por parte da União", opinou Afonso. Para contornar o confronto, o governo pode jogar com o adiamento da discussão, que beneficiaria Serra. Caso o governo federal transforme em proposição a sugestão de Marta e a envie ao Senado, somente em maio de 2006 a prefeitura estará obrigada a conter sua dívida em no máximo 1,78 vez a RCL. No fim de agosto de 2004, esta relação era de 2,33. Serra não se pronunciou em público sobre a proposta de Marta. Caso aprovado, o novo prazo vai impedir que a cidade seja punida com o corte de R$ 325 milhões de transferências voluntárias da União e com a perda de aval federal para futuras operações de crédito. Há divergências sobre o impacto do fim das transferências e da perda de aval para dinheiro novo nos recursos para investimento. Enquanto alguns pensam que pelo menos o primeiro ano da administração seria comprometido, outros acham que o governo federal de qualquer modo contingenciará os recursos voluntários para a capital paulista, o que tornaria o desenquadramento menos grave. A verba destinada para investimento este ano é de R$ 2,1 bilhões. O enquadramento de São Paulo nos limites legais até maio é impossível: a prefeitura teria que desembolsar cerca de R$ 7 bilhões para amortizar a dívida, quase a metade de seu Orçamento. Mas ainda que ganhe um novo prazo, Serra continuaria em uma posição frágil: o cumprimento do enquadramento em 2006 também é uma possibilidade remota. Por isso o pouco entusiasmo com o mero adiamento da questão. A reportagem não conseguiu, na noite de ontem, obter comentários da Secretaria Municipal de Finanças sobre o tema.