Título: Depois de dobrar de tamanho, Bradesco busca mais eficiência
Autor: Maria Christina Carvalho
Fonte: Valor Econômico, 29/12/2004, Finanças, p. C8
Márcio Cypriano está completando cinco anos na presidência do Bradesco com um portfólio considerável. Sob seu comando, o Bradesco dobrou de tamanho. Os ativos passaram de R$ 80,3 bilhões em 1999 para R$ 179,7 bilhões em setembro; a carteira de crédito cresceu de R$ 27,6 bilhões para R$ 60 bilhões; e o patrimônio foi de R$ 6,8 bilhões para R$ 14,7 bilhões. E o número de clientes também se multiplicou. "Quando assumi, a meta era passar de 6,3 milhões de clientes para 10 milhões em dois anos e muitos acharam isso exagerado", lembrou Cypriano. A meta foi atingida no prazo e, agora, já são 15,3 milhões de clientes. Mas, Cypriano não se acomoda nos louros das conquistas: "Na quantidade estamos bem; agora temos que lutar pela qualidade. Só o share de mercado não é importante; é preciso fazer essa fatia dar boa rentabilidade para o acionista". Cypriano está preocupado em melhorar a eficiência do Bradesco. Como todo gigante que cresce rápido demais, o banco precisa de ajustes. Especialmente porque boa parte da expansão veio de uma série de doze aquisições nesse curto espaço de tempo: Pontual, Continental, Martinelli, Boavista, Nações, Cidade, Banco do Estado do Amazonas (BEA), Ford, Mercantil de São Paulo, BBV, Zogbi e Banco do Estado do Maranhão (BEM). Com tudo isso, o índice de eficiência - relação entre despesas e receitas - do Bradesco cresceu para 58,3%, quando o ideal é que seja inferior a 50%. Por isso, o Bradesco montou um comitê de despesas que, durante 100 dias, fez reuniões com os diversos departamentos para levantar sugestões de economia, que agora serão implementadas. Além disso, o Bradesco vem se empenhando em aumentar a receita com a expansão do financiamento ao consumo e junto aos clientes de baixa renda. O banco protagonizou nada menos do que seis das 15 iniciativas na área de financiamento ao consumo anunciadas pelos bancos nos últimos dois meses, Duas foram seladas com as cadeias de varejo Casas Bahia e Salfer, e quadro com bancos médios especializados no crédito consignado (BMC, Cruzeiro do Sul, Bonsucesso e Paraná Banco). No total, mobilizou uma oferta de R$ 16 bilhões. Além disso, lançou R$ 4 bilhões em crédito pré-aprovado para os clientes com cartão Visa Electron. No total, bombeou R$ 20 bilhões para o consumo, o dobro dos R$ 18,7 bilhões emprestados para pessoas físicas. Isso não exige esforço extra uma vez que o capital do Bradesco é suficiente para dobrar as operações de crédito. Cypriano está confiante de que a economia vai dar suporte a seus planos. A expectativa é que o Produto Interno Bruto (PIB) cresça de 3,8% a 4% no próximo ano. Apesar disso, está preocupado com os gargalos da infra-estrutura. "Estamos fazendo armazenagem nos caminhões", disse referindo-se às filas de caminhões cheios de soja no Porto de Paranaguá; e com o impacto da apreciação cambial na receita do exportador. Cypriano também completou um ano à frente da Federação Brasileira das Associações de Bancos (Febraban), com um saldo bem positivo de sua atuação quando a turbulência causada pela intervenção no Banco Santos, em novembro, ameaçou contaminar bancos de pequeno porte. Raramente a poderosa Febraban se preocupou com os bancos menores. Mas, sob o comando de Cypriano, a federação teve papel decisivo na redução do compulsório, que oxigenou os bancos. Sem falar na mobilização das cessões de carteiras. A seguir, os principais pontos da entrevista. Valor: Como foi 2004 ? Márcio Cypriano: O ano foi produtivo. Conseguimos completar a segmentação iniciada há cinco anos. Quando assumi a presidência do Bradesco estabelecemos alguns goals. A meta era ter 10 milhões de contas em dois anos. Saímos de 6,3 milhões de contas em 1998 para 10 milhões. Toda a equipe comprou a idéia. A proposta era crescer orgânicamente e por aquisições. Valor: As aquisições foram importantes? Cypriano: Foram mais de 10 aquisições, da carteira do Ford, Banco do Amazonas, Banco do Maranhão, Mercantil de São Paulo ao BBV, Zobgi, Cidade, além das carteiras de fundos do JP Morgan e do Deutsche. Criamos o Banco Postal cuja primeira fase de implantação foi concluída. Neste ano, selamos o acordo com o japonês UFJ para a internacionalização do varejo. E recentemente fizemos várias operações de cessão de crédito com as Casas Bahia, Salfer, e as parcerias com BMC, Bonsucesso, Cruzeiro do Sul e Paraná Banco. Valor: E o futuro? Cypriano: O futuro será mais foco no resultado. Saímos do foco no produto, para o foco no cliente e no resultado. Temos também que melhorar a eficiência. A segmentação trouxer gastos grandes para o banco. Não se consegue adaptar as agências, investir em sistemas e tecnologia sem ter mais gastos. Valor: Há uma meta de retorno? Cypriano: Nos últimos cinco anos demos um retorno entre 18% e 19%. É um retorno muito satisfatório. Sempre distribuímos metade do lucro do banco para os acionistas. Valor: Qual o caminho? Cypriano: Agora temos que voltar o foco para a rentabilidade, vinda através da eficiência. Temos que ter produtos mais simplificados e massificados, enxugar os processos internos para produzir a um custo mais baixo; colocar o foco no relacionamento, sedimentar a segmentação. Há um projeto de qualidade total. Na quantidade já estamos bem; agora temos que lutar pela qualidade. Só o share de mercado não é importante desde que a gente faça essa fatia ter uma boa rentabilidade para o acionista. Valor: Alguma iniciativa prática já está sendo feita? Cypriano: Nos montamos um comitê de despesas que se reuniu com todos os departamentos, durante 100 dias, para discutir medidas que poderiam melhorar a eficiência, reduzir despesas e custos com reflexo positivo nas tarifas e taxas de juros. Ainda continuamos fazendo esse esforço. Dessa conversa saíram muitas sugestões que estamos colocando em prática. São sugestões de ganho de eficiência por meio da simplificação de rotinas, por exemplo, e mecanização de algumas tarefas. Em um primeiro momento podemos até gastar mais em tecnologia, por exemplo, mas ganharemos mais na frente. Valor: Como vai o Banco Postal? Cypriano: O Banco Postal é um instrumento importante para a bancarização. Com a instalação do Banco Postal em 5,3 mil pontos dos Correios, entramos em 2 mil municípios com um total de 18 milhões de habitantes, onde não havia nenhum banco. Só pelo lado social a iniciativa já se justificou. Mas abrimos 2,3 milhões de contas e estamos atingindo o ponto de equilíbrio. E agora começa a segunda fase do projeto, com a instalação de agências nos postos dos Correios tocados por permissionários e franqueados e também nas localidades que fazem parte do plano de expansão dos próprios Correios. Com isso, serão agregados mais 2,5 mil pontos. Os franqueados e permissionários são empresários e terão todo interesse em operar com o Banco Postal. Valor: Esses motores do crescimento do banco devem continuar impulsionando os negócios?
Só o share de mercado não é importante; é preciso fazer essa fatia dar uma boa rentabilidade para o acionista"
Cypriano: A gente imagina que o país vai continuar crescendo no próximo ano, um pouco menos do que neste, talvez 3,8% a 4%. De qualquer forma, é um crescimento importante. O país precisa crescer de 4% a 5% ao ano para reduzir as desigualdades. Valor: Serão muitos anos de crescimento? Cypriano: Infelizmente a gente não consegue fazer uma projeção de longo prazo por causa das deficiências da infra-estrutura. Nada justifica, por exemplo, haver na época da safra de grãos ter 100 quilômetros de fila de caminhão, de Curitiba ao porto de Paranaguá. Está havendo estocagem nos caminhões. O país precisa remodelar os portos, investir em energia e infra-estrutura para sustentar um crescimento por vários anos. Neste ano, fomos muito beneficiados pelo arranque da agricultura que, hoje começa a ter alguns problemas. Os preços de algumas commodities, como soja e milho, está caindo. Por outro lado, o café está subindo. O dólar tem penalizado o exportador. Pelo próprio custo Brasil o ideal seria que o dólar fosse cotado a R$ 2,90 a R$ 3,00. Mas vejo o país crescendo. Com o aumento do nível de emprego, as pessoas estão conseguindo carteira assinada e ganhando renda, o que traz uma possibilidade de crescimento importante. Valor: Isso terá impacto positivo no banco? Cypriano: Quando se vê que a economia está crescendo, há motivo para ser otimista. O crédito voltará a ser um dos principais produtos do mercado. Já estamos hoje muito preparados com um sistema de análise de controle de risco bastante aferido. Valor: E a recente investida no crédito com desconto em folha por meio das parcerias? Cypriano: Nós não temos experiência no mercado do crédito consignado. A gente poderia sair do zero, mas poderia levar dois anos para ter uma boa operação. A prova disso é o consórcio. Em janeiro fará dois anos que entramos na área e já somos líderes em imóveis e caminhando bem na área de veículos. Se os bancos menores têm uma estrutura especializada é mais fácil fazer um acordo operacional, fornecendo funding. É uma operação ganha-ganha: ganha um spread o banco grande que cede o funding, e ganha também o médio e o pequeno que têm a especialização. Valor: Quais são os outros focos de interesse? Cypriano: Com a segmentação, O Bradesco preparou a rede de 3,5 mil agências para atender não só a pessoa física mas também a micro e pequena empresa. Anteriormente, o gerente se preocupava mais com as grandes contas que a agência possuía e se descuidava das menores empresas. Para continuar rentabilizando a agência, o gerente vai atender as pequenas e micro empresas e as pessoas físicas também. Valor: E a concorrência dos bancos estrangeiros? Cypriano: Os bancos estrangeiros estão procurando se adequar a alguns nichos, como o financiamento ao consumidor. Pela financeira querem chegar a um segmento de varejo que nem necessariamente têm conta corrente. Eles concorrem mais entre eles, na mesma faixa de clientes, do que com os três grandes bancos nacionais. Os nacionais não deram espaço no varejo. Valor: E a consolidação do sistema financeiro? Cypriano: A grande onda já passou. O próximo passo é consolidar em prestação de serviços comuns e compartilhamento de serviços. Ainda não conseguimos avançar porque houve outras prioridades, mas vamos voltar ao tema. Há alguns problemas a serem superados, mas estamos colocando algumas sementes. Tem banco que ainda acha importante, estrategicamente, ter seu nome na máquina. Eu acho que não, mas temos que discutir. A redução de custo é muito grande. Até o final do meu mandato na Febraban espero avançar. Valor: A Febraban teve um papel importante para ajudar os bancos na recente fase de turbulência? Cypriano: Sentam na mesa da Febraban, o presidente da ABBC , que reúne os bancos médios; e o presidente da ABBI, dos bancos estrangeiros. A Febraban agiu porque não era justo que um problema isolado afligisse os outros bancos e os levasse a ter dificuldades. O BC também agiu com maestria com a redução do compulsório sobre depósitos à vista, aumentando o funding dos bancos. Foi uma operação conjunta em defesa do sistema. Valor: O senhor acredita que se bancos médios fossem atingidos pela onda, o sistema todo sofreria? Cypriano: O sistema financeiro é muito delicado. O capital é muito volátil. Poderiam ser atingidos bancos que não estão em dificuldade. Valor: E a nova atribuição do FGC de comprar parte da carteira de bancos? Cypriano: É uma válvula de escape, um stand by. Mas, o FGC não tem estrutura para analisar crédito e isso teria que ser normatizado. De toda forma, não é isso que resolve. O volume não é representativo. O volume que o FGC pode direcionar para essa finalidade é de 20% do total, ou R$ 1 bilhão, é pouco perto do que o setor privado já movimentou em operações recentes de cessão de carteira. Só o Bradesco movimentou R$ 16 bilhões. Valor: O que os bancos podem fazer para reduzir os juros? Cypriano: Quando se fala em spread, é preciso esclarecer que entra em sua composição a cunha fiscal, como o compulsório, FGC, PIS, Cofins, Imposto de Renda e todos os encargos que encarecem o spread. Estamos falando de um peso de 29,4%. O custo do dinheiro já sai do piso de 29,4% com a cunha fiscal. Na hora que se vai pagar o investidor de CDB esses custos devem ser considerados. Assim, a redução da cunha fiscal, inclusive do compulsório, é fundamental para diminuir os juros. Há uma falsa impressão de que o juro alto beneficia o banco. Pelo contrário, a inadimplência é muito mais alta com o juro elevado. E a gente tem feito gestões para tentar reduzir a cunha fiscal. O que gente quer é conceder mais crédito. À medida em que as taxas são mais baixas e palatáveis, a gente consegue fatalmente aumentar a carteira de crédito. As carteiras de crédito consignado têm taxa boa, baixa inadimplência e grandes volumes. Valor: E as recentes compras de carteiras? Cypriano: Nessa operação, ganham os dois lados. Hoje limitam-se a funding. Vamos ganhar um spread em um mercado em que ainda não atuamos. Os bancos especializados ganham novos produtos para oferecer. No futuro, os acordos podem evoluir para a oferta de outros produtos.