Título: Gargalos do agronegócio que ficaram para 2005
Autor: Duarte Nogueira
Fonte: Valor Econômico, 31/12/2004, Opinião, p. A8
As perspectivas para o agronegócio em 2005 são menos otimistas. Considerado o fiel da balança comercial brasileira, o setor deve começar o ano com bons desafios a serem transpostos. É até natural que, contido o entusiasmo com os resultados fabulosos dos últimos anos, o setor seja analisado mais friamente, para sabermos com clareza até onde o agronegócio poderá chegar daqui para frente. É evidente que nossa pretensão não é questionar os resultados ou a importância do agronegócio para o país. A isso, o Movimento dos Sem-Terra já se propôs. E de uma forma equivocada. O setor é crucial para a economia brasileira e apresenta um potencial que dificilmente outro segmento econômico poderá conquistar no mercado internacional. E o país se preparou e investiu para chegar onde está. Ao longo de anos e de safras, a produção brasileira cresceu vertiginosamente, resultado de uma boa combinação entre aumento de área plantada e produtividade, mesmo que esses dois fatores tenham crescido de forma diferente. Em 14 safras (de 1990/91 a 2003/04), a produção de grãos cresceu 106%, enquanto a área plantada foi ampliada em 25,6%. As exportações do setor batem sucessivos recordes, e só nos primeiros dez meses de 2004, o setor já havia contabilizado o maior saldo em sua balança dos últimos 15 anos. É certo que esses resultados não caíram do céu. São frutos de uma combinação de investimentos, empreendedorismo e confiança, principalmente por parte do setor produtivo. E o Brasil soube ser competente e ocupar os espaços abertos no mercado internacional. O país se tornou o maior exportador de soja (embora seja o segundo produtor), café verde e solúvel, tabaco, suco de laranja, carne bovina e frango, e tem oportunidades generosas na exportação de etanol, por conta do Protocolo de Kyoto e da crescente preocupação entre os países a respeito da redução nas emissões de gases causadores do aquecimento global. O certo é que, para crescer além disso, o país precisa resolver alguns gargalos. E muitos deles são bastante conhecidos. A necessidade de investimentos em infra-estrutura, já bastante discutida durante este ano, continua sendo um deles. O crescimento da atividade agropecuária e de outros setores da economia não foi acompanhado pela modernização e ampliação da estrutura logística e de infra-estrutura. A produção cresceu, enquanto a infra-estrutura só se deteriorou nos últimos anos. Com mais da metade das cargas sendo transportada por rodovias que estão, em 76% delas, com algum tipo de problema, o escoamento da produção torna-se demorado e oneroso. O transporte ferroviário está à beira do estrangulamento e o hidroviário ainda é incipiente. A alternativa do governo federal são as PPPs (Parcerias Público-Privadas), aprovadas pelo Congresso, para colocar em prática os investimentos necessários em infra-estrutura, previstos em R$ 191 bilhões no Plano Plurianual (2004/2007). Em São Paulo, principal plataforma agrícola do país e responsável por 24% das exportações do agronegócio brasileiro, o projeto das PPPs foi aprovado em maio e será importante na modernização da estrutura logística, com recursos aplicados na implantação do trecho sul do Rodoanel, ampliação do porto de São Sebastião, no ferroanel e construção de um centro logístico integrado, formado de alternativas de transporte de cargas, além da infra-estrutura dos aeroportos.
Mais da metade das cargas é transportada por rodovias que estão, em 76% delas, com algum tipo de problema
Outro desafio que o Brasil tem de enfrentar todos os dias é a sanidade. Qualquer país do mundo está vulnerável ao aparecimento de enfermidades que funcionam como verdadeiras desgraças para suas economias. A Tailândia, um dos maiores exportadores de frango, perdeu mais de US$ 900 milhões por causa do aparecimento da gripe aviária e tenta recuperar o espaço perdido no mercado internacional. O Brasil já sofreu sanções este ano com o aparecimento de um foco de febre aftosa na Amazônia. O raciocínio é bastante simples: a disputa por mercado é um duelo de titãs. Além dessas questões de infra-estrutura e sanidade, o setor produtivo reclama da falta de crédito e da pesada carga tributária que beira os 40% do PIB brasileiro. O peso dos impostos sobre as costas do setor produtivo é um problema sério. Inibe investimentos, funciona como um freio para a produção, tira a competitividade do produto brasileiro e encarece o crédito. Ao manter essa política, o governo dá um tiro no próprio pé. A proteção à produção também é uma reivindicação antiga do setor produtivo. Deve deslanchar em 2005 o projeto de subvenção do seguro rural do governo federal. Países que competem com o Brasil no mercado externo adotam a medida há algum tempo, além dos subsídios que oferecem a seus agricultores. No Brasil, por causa dos custos, a contratação do seguro rural ainda é pequena e, sem ele, o setor produtivo está exposto a riscos maiores. Em São Paulo, o projeto foi colocado em prática em novembro de 2003 com resultados importantes e procura crescente. O governo do Estado arca com até 50% do valor que o produtor pagaria para segurar a sua lavoura para 26 culturas. A meta é atingir 20 mil produtores até o final do ano agrícola, em junho de 2005, e segurar R$ 800 milhões de valor de produção agrícola. A somatória de todos esses gargalos, agregada à queda dos preços dos produtos agrícolas no mercado mundial, câmbio valorizado, aumento nos custos de produção, insumos, fertilizantes, alta do petróleo, é uma mistura preocupante para o agronegócio brasileiro e para todo o setor da economia. São questões que devem ser colocadas no topo da lista das prioridades para o Ano Novo. Sem querer estragar a festa de ninguém, 2005 será um ano de muitos desafios. Vamos ter de suar a camisa com muito mais vigor.