Título: BC estuda reduzir compulsório
Autor: Alex Ribeiro
Fonte: Valor Econômico, 31/12/2004, Finanças, p. C1

O Banco Central iniciou estudos para uma possível redução temporária do volume de recursos direcionados para o crédito habitacional no próximo ano. A avaliação preliminar é que, entre 2004 e 2005, os recursos disponíveis devem saltar de R$ 2,8 bilhões para R$ 12 bilhões, volume muito superior ao que o sistema bancário é capaz de emprestar com segurança em um só ano. Ainda não há um número fechado sobre quanto, ao final das contas, deverá ser aplicado - mesmo porque o assunto, que ainda está sendo debatido com representantes da construção imobiliária e instituições financeiras, ainda deverá ser submetido a outras esferas do governo. O grande problema, avalia o diretor de Normas do BC, Sérgio Darcy, é que poderá faltar demanda por parte do público para absorver toda a quantidade de crédito ofertada. "Se a oferta de crédito é bem maior do que a demanda, corre-se o risco de serem contratadas operações com qualidade mais baixa, o que eleva os riscos de inadimplência", disse. Darcy pondera que, quando se refere à falta de demanda, não quer dizer que não haja no país interessados em contrair financiamentos para a casa própria. "Obviamente, há uma enorme demanda reprimida por financiamentos habitacionais", afirmou. "Mas só uma parcela dessa demanda reprimida atende aos requisitos de renda e cadastrais para contrair empréstimos." As regras atuais determinam que pelo menos 65% dos saldos médios das cadernetas de poupança sejam dirigidas, pelos bancos, ao crédito habitacional. Mas, nos últimos anos, o limite de aplicações efetivas vinha se mantendo bem abaixo desse valor, em virtude de excepcionalidades criadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) no cumprimento das regras. Em 2001, o BC resolveu extinguir, progressivamente, uma dessas excepcionalidades - o que, em contrapartida, elevaria o volume de dinheiro destinado ao crédito imobiliário. Mais recentemente, em 2004, foi acelerada essa regra de transição, ampliando ainda mais o volume de recursos que devem ser aplicados em habitação. O receio no BC, agora, é que o ritmo esteja forte demais. A excepcionalidade em questão é a regra que permite que os bancos contabilizem como aplicação em habitação os chamados créditos virtuais contra o Fundo de Compensações de Variações Salariais (FCVS). Os créditos são virtuais porque, um dia, realmente os bancos tiveram em carteira papéis do FCVS; mas, na crise bancária do Plano Real, venderam os papéis, que foram usados como garantia para bancos quebrados tomarem empréstimos do Programa de Reestruturação e Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer). Os bancos deixaram de ter os papéis em carteira, mas puderam contabilizá-los no cálculo das aplicações exigidas com recursos da caderneta de poupança, sob a justificativa de que seria temerário obrigá-los a concretizar imediatamente as aplicações exigidas. A regra, na prática, significa que, atualmente, os bancos estão dispensados de aplicar R$ 28,216 bilhões em habitação. Em 2001, o CMN decidiu que as excepcionalidades seriam reduzidas a uma taxa de 1% ao mês. Neste ano, a partir de abril, o percentual foi elevado para 2%. Os cálculos preliminares do BC são de que, em 2005, seriam destinados à habitação um total de R$ 12 bilhões. Para se ter uma idéia da magnitude desses valores, a carteira imobiliária dos bancos privados é hoje de R$ 12,865 bilhões. Para atender as aplicações exigidas, o crédito imobiliário em todo o sistema, que soma R$ 28,207 bilhões, teria que crescer a uma taxa de 42% no próximo ano. Nos 12 meses encerrados em outubro passado, o crescimento foi de 15%. O fato é que nem mesmo a Caixa Econômica Federal, que é especializada em crédito imobiliário, está tendo sucesso em efetivar as aplicações requeridas. Numa tentativa de dar vazão aos recursos disponíveis, há cerca de dois meses elevou o prazo máximo de financiamento e ampliou o volume máximo dos empréstimos. A estratégia, na prática, significa um maior risco assumido pela instituição. Para aplicar R$ 12 bilhões, os bancos teriam que assumir riscos ainda maiores. Na avaliação do BC, uma expansão consistente do crédito depende da continuidade do crescimento da economia, o que levará ao aumento da renda. Nos próximos anos, o ambiente também deverá se tornar progressivamente mais favorável, com a legislação que aperfeiçoou o patrimônio de afetação e a alienação fiduciária. "Só falta passar pelo grande teste do Judiciário", disse Darcy. As linhas gerais da proposta do BC são reduzir o volume de crédito compulsório em 2005, compensando nos anos seguintes. Ficaria mantido, porém, o objetivo de extinguir aos poucos o FCVS virtual.