Título: Aos 40 anos, autonomia já é maior
Autor: Rodrigo Bittar
Fonte: Valor Econômico, 31/12/2004, Finanças, p. C

O Banco Central (BC) chega neste dia 31 de dezembro aos 40 anos muito mais proativo em relação à política monetária e à supervisão bancária e mais próximo da tão polêmica independência do que em qualquer momento de sua história. Criado pela Lei 4.595 de 1964 no governo do general Humberto Castelo Branco (1964-1967), o BC passou praticamente 10 de seus 40 anos, entre os meados dos anos 80 e 90, às voltas com a hiperinflação. A partir do Plano Real, com a estabilização econômica, sua história muda. De sua fundação até o início da redemocratização, o BC não era muito mais que um operador das decisões tomadas pelos ministros. "Demorou muito para que o Banco Central deixasse de ser só uma dependência do Ministério da Fazenda", relata o cientista político Eduardo Kugelmas. Autor e organizador, em parceria com os também cientistas políticos Lourdes Sola e Laurence Whitehead, do livro "Banco Central - Autoridade Política e Democratização - Um Equilíbrio Delicado" (FGV Editora, 2002), Kugelmas analisa o desenvolvimento do banco em paralelo ao processo de democratização do país. Os primeiros 20 anos foram marcados pelo isolamento da instituição, em que decisões que afetariam a vida de todos eram tomadas sem consulta prévia à sociedade, sem transparência, bem ao estilo do governo ditatorial dentro do qual o BC nasceu e cresceu. "A falta de transparência afetou muito o BC, criou uma imagem negativa de que ele era todo-poderoso para fazer maldades", define o economista Gustavo Jorge Laboissiére Loyola, presidente do BC em dois períodos (de novembro de 1992 a março de 1993 e de junho de 1995 a agosto de 1997). A princípio, a garantia de isolamento político dada pelo presidente Castelo Branco e seu ministro da Fazenda Octavio Gouvêa de Bulhões foi a base para o saneamento do sistema financeiro nos primeiros anos pós-64. Denio Nogueira, o primeiro presidente do BC, explorou amplamente essa garantia para fazer uma grande reforma do sistema e uma forte intervenção nos bancos, forçando fusões e incorporações e o fechamento de instituições. A partir de 1967, quando Artur da Costa e Silva assume a presidência, esse poder do BC foi neutralizado pela nova administração da Fazenda, com Delfim Netto. Durante um longo período, o banco continuava hermético, gerando suspeitas fundadas e infundadas. Mas, na verdade, não tinha força política, como relata Gustavo Loyola: "O BC até tinha capacidade técnica de fiscalização mas politicamente era muito fraco". A falta de apoio político e autonomia dificultou o trabalho de supervisão, principalmente no que dizia respeito aos bancos estaduais, que não tinham qualquer disciplina. Um episódio, mencionado no livro de Kugelmas, ilustra a desmoralização da autoridade monetária com os bancos estaduais. Em 1993, um banco nordestino abriu seis novas agências sem autorização legal prévia do BC. O presidente da instituição, ao ser questionado sobre a decisão, teria dito ao diretor do BC que o convocou: "O banco é meu e faço com ele o que eu quiser". Gustavo Loyola afirma que os momentos mais difíceis foram também boas oportunidades de desenvolvimento de soluções que depois se mostraram permanentes. Por exemplo, o fracassado Plano Cruzado criou as condições para a criação do mercado interbancário (CDI). Uma das mais difíceis situações, na opinião de Loyola, foi o Plano Collor, quando o governo confiscou o dinheiro das contas bancárias de todos os correntistas. A liberação dos cruzados bloqueados foi um desafio para os técnicos do BC porque foi determinado pela ministra da Economia, Zelia Cardoso de Mello, paulatinamente de acordo com alguns critérios. Eram as chamadas "torneirinhas", lembra Loyola, exceções abertas a programas e grupos específicos como, por exemplo, pessoas com doenças graves, pagamento de fretes e aquisição de leite para programas sociais. "Aquilo era de uma enorme complexidade porque nós tínhamos que definir o que era doença grave, qual o preço de aquisição do leite, se converteríamos ou não os dólares dos diplomatas...", recorda Loyola. Do ponto de vista da supervisão bancária, a adesão do Brasil ao Acordo da Basiléia em 1994 proporcionou as condições para que o BC trocasse uma posição passiva em suas funções de fiscalizador dos bancos por uma atuação preventiva. Na política monetária, foi com o Plano Real que o BC ganhou mais efetividade. A estabilização econômica, o fim da hiperinflação e a adoção, em 1999, do regime de metas de inflação criaram as condições para a atuação clássica de um Banco Central, de guardião da moeda. O governo Fernando Henrique Cardoso também apoiou uma autonomia de fato e uma maior transparência. A discussão agora é a autonomia de direito. Tudo indica que, a depender da disposição do governo Luiz Inácio Lula da Silva - que alçou o presidente do BC ao cargo de ministro -, o poder do banco tende a aumentar.