Título: Batalha por Trípoli
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 26/02/2011, Mundo, p. 24

Especial para o correio

Enquanto seus opositores conquistavam cada vez mais cidades e regiões importantes na Líbia, o ditador Muamar Kadafi concentrava suas forças na capital, preparando-se para o que já vinha sendo chamado de ¿batalha de Trípoli¿. Em meio à escalada de violência, com notícias sobre tiroteios e mortes na cidade, Kadafi voltou a ser visto na TV estatal conclamando seus seguidores a ¿derrotar o inimigo¿. Mas, além dos manifestantes, o regime enfrenta pressão internacional crescente. Ontem, os Estados Unidos e a União Europeia anunciaram sanções, e o Conselho de Segurança das Nações Unidas reuniu-se para analisar um projeto de resolução cujo texto adverte o ditador de que seus atos poderão ser considerados crimes contra a humanidade (leia abaixo).

Na tentativa de dispersar os protestos em Trípoli, milícias leais a Kadafi abriram fogo contra manifestantes. Relatos de testemunhas indicavam que pelo menos cinco pessoas morreram. Havia informações de que tropas à paisana se infiltraram na multidão e fizeram disparos para o alto. Na televisão, o ditador foi visto falando para uma multidão do alto de um prédio na Praça Verde e anunciando que os depósitos de armas estão abertos ¿para que o povo se equipe para a batalha¿.

¿Preparem-se para defender a Líbia, preparem-se para lutar pela dignidade, preparem-se para lutar pelo petróleo¿, discursou Kadafi. ¿Vocês devem dançar, cantar... este espírito é mais forte do que qualquer tentativa dos estrangeiros para destruir-nos¿, emendou, cerrando os punhos e mandando beijos para a multidão.

No interior do país, opositores comemoravam a conquista de novos terrenos. Havia relatos de que cidades como Benghazi, Tobruk e Ajdabiya permaneciam sob controle de manifestantes e de militares que desertaram do regime. Os rebelados teriam ainda assumido o controle de Misrata, o terceiro maior centro urbano do país. ¿Viva a Líbia! Fora Kadafi!¿, foi o grito de guerra que ressoou na tarde de ontem em Tobruk, ¿liberada¿ pela oposição, durante manifestação em frente à mesquita onde se reuniram mais de mil pessoas.

A convergência das tensões na capital pode levar a um desfecho para a crise na Líbia, que se arrasta desde o dia 15 e põe em xeque o longo domínio de Kadafi, no poder desde 1969. O professor de relações internacionais Heni Ozi Cukier, da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), aponta dois possíveis cenários. No primeiro deles, com o aumento da violência em Trípoli, Kadafi pode sucumbir. No outro, caso a população recue, ele assumiria o controle da capital e os opositores manteriam o poder no restante do país, o que levaria a uma guerra civil.

Atingida pela onda de revoltas iniciada em janeiro no mundo árabe, a Líbia vive uma situação bem distinta da que se produziu no Egito e na Tunísia, onde as manifestações levaram à queda dos presidentes. Cukier, especialista em resolução de conflitos, explica que, caso Kadafi seja destituído, será a primeira nação a ver a queda de todo um regime, e não apenas do líder. ¿Será preciso criar novas instituições. É uma realidade bem diferente¿, compara.

Ajuda financeira Em outra iniciativa para tentar conter os revoltosos, o governo líbio anunciou ontem a distribuição de dinheiro para a população em forma de salários e subsídios. Segundo a TV estatal, cada família vai receber 500 dinares líbios (cerca de US$ 400) para cobrir despesas com alimentação. O benefício inclui aumento salarial de 150% para algumas categorias de funcionários públicos. Medidas semelhantes foram tomadas pelo governo egípcio dias antes da queda do ditador Hosni Mubarak. Na Arábia Saudita, o rei Abdullah antecipou-se aos protestos e anunciou nesta semana um pacote de ajuda econômica à população.