Título: Crime e inelegibilidade
Autor: Mendes, Marcos
Fonte: Valor Econômico, 11/07/2008, Opinião, p. A12

A lei deve impedir políticos condenados em primeira instância de se candidatar? Acredito que sim. Nesse artigo pretendo refutar os argumentos contrários habitualmente apresentados: 1) os eleitores é que deveriam rejeitar os maus políticos; 2) os partidos políticos é que deveriam filtrar seus candidatos; 3) a medida seria inconstitucional.

Inicialmente, duas qualificações. Não se defende aqui o veto a candidatos que estão sendo processados e que ainda não foram condenados. É preciso haver condenação em primeira instância, para evitar o estímulo à abertura infundada de processos com a finalidade de inviabilizar carreiras políticas. Também não defendo que o veto às candidaturas seja feito ao arrepio da Lei de Inelegibilidades (Lei Complementar nº 64/1990) que, atualmente, prevê a inelegibilidade apenas no caso de condenação em última instância. O que se defende é a mudança da lei, para que ela preveja a inelegibilidade para o condenado em primeira instância, por crimes claramente especificados no próprio texto legal.

Passemos ao primeiro argumento a refutar, "os eleitores é que deveriam rejeitar os maus políticos". Há imperfeições no processo eleitoral que impedem o eleitor de fazer essa seleção com eficiência. É muito dispendioso para o eleitor ter informações sobre o currículo de cada candidato. Esse problema se acentua quando é alto o percentual de eleitores pouco instruídos, com dificuldade para obter e interpretar informações.

Além disso, a literatura de ciência política mostra que os eleitores menos informados são bastante influenciados pela propaganda eleitoral. Logo, um candidato que enriqueceu ilegalmente tem cacife para bancar ampla propaganda eleitoral, que o permite enviesar o resultado da eleição.

É verdade que um eleitor, mesmo pouco instruído, pode aprender a votar com base na experiência, ao longo de várias eleições. Mas esse aprendizado é longo e penoso. Se os eleitores menos instruídos são os que têm maior probabilidade de eleger maus políticos, eles terão em troca maus serviços públicos, em especial educação de baixa qualidade. Isso perpetuará a sua baixa capacidade de analisar as informações sobre os políticos.

Além disso, devem ser consideradas duas características básicas de uma eleição: 1) os eleitores têm preferências distintas entre si; e 2) promessa eleitoral não tem credibilidade, pois se, depois de eleito, o político descumprir a promessa, ele não perde o mandato. Em função da primeira característica, os eleitores com preferências similares tendem a se unir em grupos com interesse comum (ruralistas, sem-teto, sindicalistas, etc.), para aumentar as chances de aprovar seus pleitos; e em função da característica (2), os candidatos tentam aumentar a credibilidade de suas promessas, apresentando-se como defensores de um desses grupos.

Por isso, nas escolhas eleitorais, os interesses de grupos se sobrepõem ao interesse coletivo. Cada eleitor abrigado em um grupo de interesse passa a ser menos seletivo: o importante, em primeiro lugar, é que o político atenda aos interesses do grupo. A honestidade passa a ser um critério secundário. Isso ajuda a eleger o candidato que "rouba, mas faz".

A decisão do eleitor também pode ser pautada por critérios outros que não a capacidade administrativa, a plataforma eleitoral ou a credibilidade de um candidato. Se a sociedade estiver dividida em diferentes grupos étnicos, ideológicos ou religiosos, essas diferenças passam a influenciar as decisões de voto, se sobrepondo a considerações sobre ética ou honestidade.

-------------------------------------------------------------------------------- Não se pode esperar que os partidos filtrem os candidatos, pois eles vivem o dilema entre a credibilidade e o dinheiro --------------------------------------------------------------------------------

Logo, não se pode deixar a filtragem dos maus políticos apenas por conta do eleitor.

Há os que argumentam que caberia aos partidos políticos fazer uma seleção rigorosa de seus filiados. Ora, partidos políticos precisam de dinheiro para financiar campanhas eleitorais. A aceitação da filiação de um criminoso rico pode ser um caminho para financiar a eleição de vários candidatos. Logo, não se pode esperar que os partidos filtrem os candidatos, pois eles vivem o dilema entre a credibilidade da legenda e a ampliação da sua capacidade financeira.

Há os que argumentam que seria inconstitucional mudar a Lei de Inelegibilidade para barrar a candidatura dos condenados em primeira instância, pois ninguém deve ser considerado culpado até a condenação definitiva (art. 5º, inciso LVII da Constituição). Porém, o STF já estabeleceu que inelegibilidade não é atribuição de culpa, nem estipulação de pena (vide Mandado de Segurança nº 22087-2, de 1996). Por exemplo, são inelegíveis os parentes de governadores, prefeitos e presidente da República art. 1º, § 3º); e parentesco não é crime.

É verdade que pode haver erro nas condenações em primeira instância. Mas os erros não serão a maioria dos casos. É mais vantajoso para o país suportar os custos desses erros esporádicos do que simplesmente aceitar todas as candidaturas de condenados em primeira instância, como ocorre hoje. O STF já se pronunciou favoravelmente a medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, que não desrespeitem a Constituição, por razões de relevante interesse público (vide relatório do Mandado de Segurança nº 23.452).

Outro argumento é de que a inelegibilidade equivaleria à cassação dos direitos políticos, e isso só poderia se dar após o trânsito em julgado da condenação (art. 15, III, da Constituição). Mas há jurisprudência no STF estipulando que inelegibilidade não equivale à cassação de direitos políticos (vide voto da Adin nº 1.493-5, Distrito Federal).

Note-se que, em recente pronunciamento sobre a matéria, a maioria dos ministros do STF se posicionou contra o veto aos candidatos condenados. Mas não pelo fato de isso ser inconstitucional, e sim porque o texto atual da Lei de Inelegibilidade exige o trânsito em julgado dos processos. Ou seja, para filtrar os candidatos condenados, basta mudar a lei. Feito isso, não haverá inconstitucionalidade ou ilegalidade.

Mas não podemos nos apressar, querendo barrar candidatos já no pleito de 2008, antes que a lei seja alterada. Aí, sim, teríamos um caso de ilegalidade e inconstitucionalidade. Com calma, poderemos ter uma lei mais eficaz já no pleito de 2010.

Marcos Mendes é diretor do Centro de Estudos da Consultoria Legislativa do Senado Federal. Doutor em Economia - USP. E-mail: mendes@senado.gov.br