Título: Tarso busca aproximação com Mendes
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 14/07/2008, Politica, p. A10
Lula conversa com Mendes em sua posse no STF: tensão já havia sido agravada por pedido de veto que atropelou Congresso O ministro da Justiça, Tarso Genro, desencadeou um movimento para se aproximar do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, antes da deflagração da Operação Satiagraha, na terça-feira, e atua para mantê-lo, mesmo com as críticas do magistrado à atuação da Polícia Federal.
Genro quer recuperar o papel de principal articulador do governo junto ao STF, que tradicionalmente sempre foi da pasta da Justiça. Ele avalia que é preciso melhorar o relacionamento do Palácio do Planalto com a Corte.
Nas últimas reuniões ministeriais, Gilmar Mendes foi duramente criticado por interferir em negociações entre o governo e o Congresso. O auge das críticas ocorreu após o presidente do STF propor um veto à Lei dos Cartórios. Um dos artigos da lei estabelecia a transferência de valores administrados em cartórios extrajudiciais (mais de R$ 4 bilhões anuais) a pessoas delegadas pelos Estados.
O texto seria sancionado pelo presidente da República se Mendes não tivesse formalizado um pedido de veto. No documento, o presidente do STF advertiu o governo que o artigo seria derrubado pelo tribunal, caso fosse sancionado.
O episódio causou revolta ao ministro das Relações Institucionais, José Múcio, que havia negociado com os parlamentares a aprovação da Lei. Durante reunião ministerial, Múcio teria dito ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que era inconcebível que um presidente da República recebesse ordens do presidente do STF, conforme relatam fontes presentes ao encontro. Mendes recomendou vetos em outras leis, repetindo uma máxima bastante comum em seus últimos discursos de que leis polêmicas, uma vez aprovadas pelo Congresso, já têm encontro marcado com o tribunal que irá julgá-las para verificar se são compatíveis ou não com a Constituição. Após essa reunião em que houve o protesto de Múcio, saíram notas na imprensa relatando que a relação de Lula e Mendes estaria desgastada.
Tarso Genro notou este incômodo no governo e partiu para uma agenda pró-ativa com o presidente do STF. Em 2 de julho, um dia depois de Mendes criticar as escutas telefônicas da PF e falar em "estado policial", Genro pediu uma audiência no STF e defendeu a aprovação de uma projeto de lei para combater as escutas clandestinas. Na saída do encontro, ao invés de rebater as críticas de Mendes à PF, Genro disse que elas são "positivas, pois ajudam o Estado a se aperfeiçoar".
No mesmo encontro, o ministro da Justiça defendeu o que considera um dos principais projetos de sua pasta: a reforma política. E o fez com uma característica importante que o auxiliará na aproximação junto a Mendes e aos demais ministros da Corte: consolidar numa lei as principais decisões do STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a respeito da classe política.
A idéia seria fixar em lei ordinária pontos já aprovados pelos tribunais superiores, como a fidelidade partidária. A perda de mandato para o político que trocar de partido sem justificativa foi aprovada pelos dois tribunais e considerada como um marco nas duas cortes, pois indicaria para a população a imagem de que o Judiciário não irá mais tolerar abusos da classe política. O projeto de reforma política também tem outros pontos com forte caráter moralizador, o que agradaria aos ministros, como o financiamento público das campanhas.
Outro agrado da pasta da Justiça ao STF: o projeto seria enviado ao Congresso em forma de lei ordinária, e não como emenda constitucional. O que parece mera formalidade é um ponto importante na relação entre os poderes. Primeiro, porque a Constituição não seria alterada e, assim, seria mantida a interpretação dada pelos ministros do Supremo ao definir que os mandatos pertencem aos partidos políticos, e não aos candidatos. E, em segundo lugar, facilitaria a aprovação pelo Congresso, já que lei ordinária não exige quórum qualificado de votação.
Tarso Genro também gostaria de retomar a influência de sua pasta nas indicações de futuros ministros do STF. O seu antecessor, Márcio Thomaz Bastos, foi responsável pelo reformulação do tribunal ao indicar seis dos atuais onze integrantes da Corte. Na primeira, e única até aqui, oportunidade para indicar um ministro, Genro foi preterido pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim. Com passado recente no STF, onde foi ministro por dez anos e deixou o cargo em abril de 2006, Jobim garantiu a indicação de Carlos Alberto Menezes Direito para integrar o tribunal. Genro queria indicar um advogado envolvido em movimentos sindicais - Roberto Caldas - e foi derrotado nessa disputa.
As relações entre Genro e Mendes tinham tudo para se tornarem tensas após a Operação Satiagraha. Mas, o ministro da Justiça acolheu boa parte das críticas do presidente do STF com o claro objetivo de não melindrá-lo e, com isso, manter o seu movimento de aproximação junto à Corte. Um dia após Mendes criticar a "espetacularização" das prisões, Genro ordenou a abertura de sindicância na PF com o objetivo de apurar o fato de uma emissora de TV ter filmado a operação.
Quando Mendes determinou a libertação de 22 presos pela operação, inclusive o banqueiro Daniel Dantas e o investidor Naji Nahas, apontados pela PF como principais expoentes de organizações criminosas, Genro declarou que o habeas corpus "faz parte do processo democrático". Ele ressaltou que Gilmar Mendes apreciou um processo técnico e elogiou as instituições. "Tanto o Supremo quanto a PF agiram de acordo com as normas da lei."
O presidente do STF e o ministro da Justiça discordaram apenas quanto ao uso de algemas nas prisões. Mendes achou abusivo, mas, neste ponto, Genro segue uma visão do governo Lula de que tanto pobres quanto ricos devem ser presos da mesma maneira, sem diferenciação e, por isso, defendeu o uso de algemas pela PF.
Na sexta-feira, ocorreu o momento mais delicado entre ambos, desde que estourou a Operação Satiagraha. O presidente do STF revelou que fora alertado de que seu gabinete estava sendo monitorado pela PF, com a autorização do juiz Fausto de Sanctis, que conduziu a operação. Genro telefonou imediatamente para o diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa, e para o juiz De Sanctis de modo a dar um retorno a Mendes. Ambos negaram qualquer monitoramento sobre a Presidência do STF. Em seguida, Genro colocou a polícia à disposição de Gilmar para apurar eventuais constrangimentos sofridos por ele durante a Operação Satiagraha e, num tom de lamento, declarou à imprensa: "Isso é uma tentativa de desgaste da relação entre os poderes".