Título: Acuado por insucessos, Chávez já adota um tom mais conciliador
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Fonte: Valor Econômico, 14/07/2008, Internacional, p. A13

"Do fundo da minha alma, o que há com a Colômbia é afeto, é amor e é compromisso de irmandade verdadeira." Foi nesse tom que o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, recebeu o presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, na sexta-feira. Bem diferente de poucos meses atrás, quando Chávez acusava Uribe de ser "mafioso" e "lacaio dos EUA" contra os povos da América Latina. Analistas crêem que o abrandamento de Chávez se deve a reveses importantes enfrentados por ele, mas não arriscam palpites sobre se essa nova postura de "paz e amor" será duradoura.

No plano interno, o grande revés de Chávez foi a perda do referendo pelo qual ele pretendia aumentar seu poder e aprovar a possibilidade de sucessivas reeleições. Além disso, houve o agravamento da situação econômica do país, com a disparada da inflação, hoje acima de 30% ao ano.

No plano externo, a apreensão pela Colômbia de supostos documentos das Farc que ligariam Chávez à guerrilha afetaram sua imagem. Mas pesa também seu rol de promessas de investimentos não cumpridas.

O referendo de dezembro rejeitou a proposta de criar novos tipos de propriedades comunitárias, o que permitiria a Chávez escolher líderes locais para realizar um novo desenho do mapa político. Além disso, o presidente poderia suspender direitos civis em prolongados estados de emergência. Sem a reforma, Chávez não poderá concorrer à reeleição em 2012.

"Essa derrota eleitoral de Chávez, a sua primeira em nove anos, o obrigou a se compor com setores da sociedade que mostraram ainda ter poder de organização", analisa Luis Vicente León, diretor do instituto de pesquisas venezuelano Datanálisis.

No mês passado, Chávez anunciou algumas medidas para impulsionar a economia em um evento em que estavam importantes empresários e representantes dos setores produtivos. O presidente pediu então a formação de uma "aliança estratégica nacional" com os empresários presentes, muitos dos quais já tinham sido classificados por ele "golpistas".

Esse processo de abrandamento já pôde ser visto antes, com bons resultados para Chávez.

O magnata da mídia Gustavo Cisneros, por exemplo, era um líder da oposição venezuelana e sua rede de TV, a Venevisión, era uma das mais críticas ao governo. O presidente chegou mesmo a acusar Cisneros de participar de conspirações para derrubá-lo.

Após uma aproximação entre os dois, mediada pelo ex-presidente americano Jimmy Carter, a mudança de posição da Venevisión foi visível. No ano passado, a TV destinou 84% da sua cobertura política às posições de Chávez e só 16% à oposição, segundo um relatório da União Européia.

As eleições regionais marcadas para novembro certamente são uma pressão para que ele se componha politicamente, já que o presidente tem mais a perder do que ganhar, já que controla a maioria absoluta dos Estados. Para o diretor do instituto venezuelano Hinterlaces , Oscar Schmel, os eleitores são cada vez "mais críticos" em relação ao presidente, que deve sair "enfraquecido" das eleições regionais e municipais.

No plano internacional, Chávez fez declarações conciliatórias recentemente, quando pediu às Farc que se desarmem e entreguem seus reféns. Antes, Chávez chegou a pedir aos líderes mundiais que reconhecessem o grupo como um exército legítimo de insurgentes.

Mas, com o recente resgate feito pelos militares colombianos, que libertaram 15 reféns, entre eles a ex-candidata à presidência do país Ingrid Betancourt, "Chávez percebeu que estava com o cavalo perdedor", segundo avaliação de Rafael Nieto, um analista colombiano e ex-vice-ministro da Justiça.

"Se a popularidade de Hugo Chávez hoje estivesse alta, ou se as eleições de novembro não estivessem se aproximando, a mensagem às Farc pedindo-lhes para devolver os seqüestrados não seria a mesma", disse a senadora e ex-ministra da Defesa da Colômbia, Marta Lucía Ramírez.