Título: PF deve investigar suspeitas até o fim, sem espalhafato
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 14/07/2008, Opinião, p. A14

Cabe à Polícia Federal investigar e levantar provas bem fundamentadas e legítimas que apontem indícios de irregularidades contra os dirigentes do Banco Opportunity, o investidor Nagi Nahas e o ex-prefeito Celso Pitta. Com a televisão a tiracolo a Polícia Federal em geral consegue imagens sensacionais, mas seus prisioneiros passam pouco tempo nas celas. Há juízes que inclusive acham desnecessárias certas prisões preventivas.

Todos ainda são capazes de se lembrar do ex-presidente do Senado, Jader Barbalho, algemado, na virada do século. Mas, pelo jeito, faltaram boas provas para fazer Jader pagar pelo que eventualmente tenha feito.

O Brasil conseguiu o feito de tirar do poder um presidente da República por corrupção, sem que depois a PF e o Ministério Público conseguissem provas suficientes para convencer os ministros do Supremo Tribunal Federal a colocá-lo atrás das grades. Paulo Maluf usufruiu da hospitalidade da carceragem da PF. Ficou 40 dias. O ex-senador Luiz Esteves, 3 dias, dois em março e um em outubro de 2005. Agora, em uma semana, o STF já mandou soltar duas vezes o banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity, o troféu mais reluzente da Operação Satiagraha. Algo parece estar errado.

Cabe perguntar quem foi acusado, condenado e está preso por corrupção nessa década em que a PF transformou a prisão de gente abonada em uma ferramenta simbólica e educativa. A rigor, nenhuma estrela de primeira, segunda ou quinta grandeza reluz na hospedaria da Polícia Federal. Em breve o ex-banqueiro Salvatore Cacciola deve ser trazido de volta ao Brasil. Resta saber por quanto tempo ficará na prisão.

A PF e o Ministério da Justiça costumam reclamar da morosidade do Judiciário e da legislação processual que permite mil e uma chicanas judiciais aos advogados, para retardar o andamento dos processos. As ações espetaculares seriam, assim, exemplares, educativas e mostrariam que o governo está vigilante no combate à corrupção. Este é o argumento em que se amparam as duas instituições. E a repetição desse tipo de ação, mesmo após promessa do ministro Tarso Genro de que ela não mais se repetiria, mostra que é a regra, e não a exceção. Não há abuso policial; o que há é uma diretriz política.

É perceptível o apoio popular à eficiência demonstrada pela TV em cenas exibidas em rede nacional. Mas resta saber se, além do espetáculo, a polícia também está fazendo o dever de casa para dar as ferramentas necessárias para que o Ministério Público e a Justiça concluam os trabalhos. É ruim para as instituições a percepção de que a polícia prende e a Justiça solta. Pior, acentua ainda a descrença, o sentimento de impunidade que ficou na sociedade brasileira feito uma indelével - e indesejável -tatuagem.

Não se sabe muito até agora dos meandros das operações suspeitas que colocaram o Opportunity no alvo da Polícia Federal. Os ingredientes são os de sempre, como a constituição de uma miríade de empresas que, entre outras coisas, dificultam o rastreamento de dinheiro, fundos offshore em paraísos fiscais que poderiam ter servido para a lavagem de dinheiro ilegal, tentativas de obter favorecimento por meio de suborno a políticos e membros do governo etc. A lista é extensa e conhece-se apenas uma pequena parte dela, com dados que são suficientes para se montar uma grande suspeita, mas que podem não suportar claramente acusações consistentes sobre a existência de ilegalidades.

Parece não haver uma força-tarefa de inteligência financeira agindo em conjunto com a PF, o que seria necessário diante da imensa complexidade das operações. Não é crível, por exemplo, a possibilidade de Nahas ter obtido informação confidencial sobre uma futura decisão do Banco Central americano sobre juros. A saída de recursos e seu reingresso em aplicações financeiras via fundos offshore é uma prática relativamente comum de boa parte das empresas. As irregularidades começam se o dinheiro enviado não é declarado ou é fruto de atividades ilegais. O destino do processo contra Daniel Dantas se resolverá com um paciente e complexo trabalho de investigação, ao final do qual ficará provado se o banqueiro e seus colegas têm ou não culpa em cartório. O espalhafato, nesse caso, não ajuda em nada.