Título: A morte do consenso da globalização
Autor: Rodrik , Dani
Fonte: Valor Econômico, 14/07/2008, Opinião, p. A15

Esta não é a primeira vez em que a economia mundial vê o colapso da globalização. A era do padrão-ouro, com sua livre mobilidade de capitais e livre comércio, teve um fim abrupto em 1914 e não pôde ser ressuscitada após a Primeira Guerra Mundial. Estaremos prestes a testemunhar um colapso econômico mundial similar?

A indagação não é extravagante. Embora tenha viabilizado níveis inéditos de prosperidade em países avançados, e tenha sido uma benção para centenas de milhões de trabalhadores pobres na China e em outros países da Ásia, a globalização econômica repousa sobre alicerces frágeis. Diferente de mercados nacionais, que tendem a se apoiar em instituições regulamentadoras e políticas domésticas, os mercados mundiais são apenas "fracamente inseridos". Não existe qualquer autoridade antitruste mundial, nenhum emprestador mundial de última instância, nenhuma agência fiscalizadora mundial, nenhuma rede de segurança mundial e, naturalmente, nenhuma democracia mundial. Em outras palavras, os mercados mundiais sofrem de fraca governança, e portanto de escassa legitimidade popular.

Desdobramentos recentes ressaltaram a urgência com que essas questões estão sendo discutidas. A campanha eleitoral presidencial nos EUA enfatiza a fragilidade do apoio ao livre comércio no país mais poderoso do mundo. A crise no mercado de crédito imobiliário de segunda linha americano evidenciou de que modo a ausência de coordenação e regulamentação internacionais pode exacerbar a fragilidade intrínseca dos mercado financeiros. A alta nos preços dos alimentos expôs o lado negativo da interdependência econômica desacompanhada de esquemas de transferências e compensações mundiais. Por outro lado, o encarecimento do petróleo provocou aumentos nos custos de transportes, levando analistas a ponderar se a era da terceirização está chegando ao fim. E paira sempre a iminência de calamidades resultantes das mudanças climáticas, que podem ser a mais grave ameaça com que o mundo já se defrontou.

Então, se a globalização está em perigo, quais são seus verdadeiros inimigos? Houve um tempo em que as elites mundiais podiam se reconfortar, considerando a oposição ao regime de comércio mundial como gerada por anarquistas violentos, protecionistas preocupados com seus próprios interesses, ativistas sindicais e jovens ignorantes, embora idealistas. Nesse período, as elites podiam considerar-se verdadeiramente progressistas, porque compreendiam que salvaguardar e promover o avanço da globalização era o melhor remédio contra a pobreza e a insegurança.

Mas essa certeza praticamente desapareceu, substituída por dúvidas, questionamentos e ceticismo. Cessaram também os violentos protestos de rua e movimentos de massas contra a globalização. Notícia, hoje, é a crescente lista de economistas ortodoxos que estão questionando as supostamente irrestritas virtudes da globalização.

Assim, Paul Samuelson, autor do livro-texto que se constituiu em marco histórico do pensamento econômico do Pós-Guerra, lembra seus colegas economistas que os ganhos da China com a globalização podem acontecer às custas dos EUA; Paul Krugman, o mais importante teórico atual em comércio internacional, argumenta que o comércio com países de baixa renda já é suficientemente grande para ter efeito sobre a desigualdade; Alan Blinder, ex-vice-presidente do Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA), preocupado com que a terceirização internacional cause perturbações sem precedentes na força de trabalho americana; Martin Wolf, colunista do Financial Times e um dos mais articulados defensores da globalização, escreve sobre seu desapontamento diante das conseqüências da globalização financeira; e Larry Summers, ex-secretário do Tesouro americano e "Sr. Globalização" do governo Clinton, pondera sobre os riscos de um nivelamento por baixo na arena das regulamentações nacionais e sobre a necessidade de padrões trabalhistas internacionais.

-------------------------------------------------------------------------------- A campanha eleitoral para a Presidência dos Estados Unidos enfatizou a fragilidade do apoio ao livre comércio no país mais poderoso do mundo --------------------------------------------------------------------------------

Embora essas preocupações não signifiquem um ataque totalmente antagônico desfechado por pensadores como Joseph Stiglitz, agraciado com um Prêmio Nobel de Economia, constituem, mesmo assim, notável guinada no clima intelectual. Além disso, mesmo aqueles que não perderam suas convicções freqüentemente discordam com veemência sobre o rumo desejado para a globalização.

Por exemplo, Jagdish Bhagwati, destacado defensor do livre comércio, e Fred Bergsten, diretor do Peterson Institute for International Economics, um instituto pró-globalização, têm se posicionado na linha de frente, argumentando que os críticos exageram enormemente os males da globalização e subestimam seus benefícios. Mas os debates entre os dois sobre os méritos de acordos de comércio regional - Bergsten a favor, Bhagwati contra - são tão acalorados quanto as divergências com os autores mencionados acima.

Nenhum desses intelectuais, naturalmente, é contra a globalização. O que eles querem não é reverter a globalização, mas criar novas instituições e mecanismos compensatórios - doméstica ou internacionalmente -, que tornem a globalização mais eficaz, justa e sustentável. Suas propostas de políticas são freqüentemente vagas (quando chegam a ser formuladas) e alvo de escasso consenso. Mas as disputas centradas na globalização saíram nitidamente para bem longe das ruas, para os artigos da imprensa financeira e fóruns de respeitados institutos de estudos.

Esse é um ponto importante que precisa ser compreendido pelos entusiastas da globalização, pois freqüentemente comportam-se como se o "campo adversário" fosse integrado por protecionistas e anarquistas. Hoje, a pergunta não é mais: "você é favorável ou contrário à globalização?" A questão agora é, "quais deveriam ser as regras da globalização?" Os verdadeiros antagonistas dos defensores da globalização, hoje, não são jovens em barricadas, mas seus colegas intelectuais.

As primeiras décadas após 1945 foram balizadas pelo Consenso de Bretton Woods - um multilateralismo superficial que permitiu às autoridades econômico-financeiras mirarem nas necessidades sociais e empregatícias internas, ao mesmo tempo em que criaram as condições para que o comércio mundial fosse revitalizado e florescesse. Esse regime foi superado, na década de 80 e 90, por uma agenda de aprofundamento de liberalização e integração econômica.

Esse modelo, já aprendemos, é insustentável. Para que a globalização venha a sobreviver, será necessário um novo consenso intelectual que lhe dê sustentação. A economia mundial aguarda desesperadamente seu novo Keynes.

Dani Rodrik é professor de economia política na Escola de Governo John F. Kennedy, na Universidade Harvard, foi o primeiro agraciado com o prêmio Albert O. Hirschman, concedido pelo Social Science Research Council. © Project Syndicate/Europe´s World, 2008. www.project-syndicate.org