Título: Há vida fora da bolsa
Autor: Ragazzi , Ana Paula
Fonte: Valor Econômico, 14/07/2008, EU & Investimentos, p. D1

Entre as empresas que planejavam lançar ações neste ano e encontraram as portas do mercado fechadas, a maioria foi buscar soluções para as necessidades de financiamento de curto prazo fora da bolsa. Das 28 candidatas à realização de oferta de ações no ano, 21 partiram para opções como empréstimo no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), lançamento de debêntures, venda de ativos e emissão de bônus no exterior. Apenas duas retomaram as operações depois de figurarem na lista de desistentes. Cinco companhias continuam à espera da reabertura do mercado.

"Houve tendência natural de escape, uma vez que a demanda por ações secou no mundo inteiro", diz Carlos Motta, sócio do escritório de advocacia Machado, Meyer, Sendacz e Opice. Ele acredita que neste ano, após a inversão ocorrida em 2007, os volumes captados via debêntures voltarão a superar os recursos obtidos com ações.

"O quadro agora é de maior aversão ao risco. Os investidores gostam da história das companhias, mas têm receio de se associarem a elas e não ter retorno do investimento no prazo desejado", avalia. "Uma operação de dívida oferece, em tese, maior segurança neste aspecto, uma vez que o investidor recebe juros e terá também uma série de garantias", diz.

De acordo com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), 17 operações com debêntures levantaram R$ 34,7 bilhões neste ano. Já no lado das ações, foram quatro ofertas iniciais, que somaram R$ 7,6 bilhões, e três subseqüentes, no valor de R$ 4,6 bilhões. Estão sendo analisadas pela autarquia mais nove emissões de debêntures, que devem alcançar R$ 24 bilhões. No mercado de ações, há seis ofertas sob avaliação - a maior é a da Vale do Rio Doce, que pode somar cerca de US$ 13 bilhões.

Entre as empresas que emitiram debêntures está a Cyrela, a maior do setor imobiliário na bolsa. A companhia captou R$ 370 milhões, usados para a redução de dívida e para novos projetos.

Outra saída buscada pelas empresas que não conseguiram ofertar ações foi a venda de ativos ou a procura de um sócio estratégico. Ainda no setor imobiliário, a Abyara é um exemplo. A companhia vendeu o negócio de corretagem para a BR Brokers. Mas os planos para captar recursos e financiar a estratégia de crescimento não param por aí. Se após a conclusão da venda ainda precisar fortalecer a estrutura de capital, a empresa estudará um aporte de capital pelos atuais sócios, segundo a diretora financeira, Ana Granato. A venda de ativos também está na pauta da Paranapanema, do setor mineral e de metálicos. A companhia negocia a venda de duas subsidiárias -Caraíba Metais e Companhia Brasileira de Fertilizantes (Cibrafértil) - para a Vale.

Mas não significa que as empresas que buscaram outras opções se desviaram totalmente do caminho da abertura de capital, segundo especialistas. "Algumas estão ganhando musculatura, via aquisições ou expansão de operações, esperando o momento mais adequado para a operação", diz Motta, do Machado, Meyer. Nesse sentido, a preparação para a oferta de ações será mais adequada, já que a empresa passará mais tempo ajustando a estrutura para a operação.

Sidney Ito, sócio da área de governança corporativa da KPMG, afirma que a tendência é que a janela para o lançamento de ações reabra no segundo semestre, mas ainda com grande seletividade. "O investidor vai querer ter certeza de que a companhia terá um futuro e este momento, de entressafra, é favorável para a preparação das empresas." Para ele, o maior rigor dos bancos, inclusive o BNDES, na concessão de recursos também auxiliará nesse processo preparatório, principalmente na melhora da governança corporativa.

A opção de empresas por buscar outras formas de financiamento e ganhar corpo é considerada saudável. Na avaliação de Kan Wakabayashi, da consultoria Cypress, o tamanho da operação é decisivo para que as operações na bolsa saiam neste momento, uma vez que o mercado exige maior liquidez. "Ficou claro que, para muitas empresas, é preciso primeiro deixar o tempo correr e fazer o negócio crescer. Só assim elas poderão apresentar uma história futura de expansão em bases mais sólidas."

Muitas companhias da lista de disistências da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) entraram na relação em função do fim do prazo legal para colocar a operação na rua, sem que as condições de mercado voltassem a ser favoráveis.

Claudio Cândido Lima, diretor administrativo, financeiro e de relações com investidores da PST Electronics, afirma que a empresa não necessita, no momento, buscar novas linhas de financiamento para o cumprimento de seu plano de investimentos de curto prazo. "Continuaremos tocando os negócios com nossa geração de caixa e também conseguimos uma linha de crédito no BNDES."

Este também foi o caso da Droga Raia, que recorreu ao banco oficial para satisfazer a necessidade de recursos. Eugênio de Zagottis, vice-presidente comercial, afirma que o plano de crescimento da companhia está sendo financiado por um empréstimo de longo prazo do BNDES. "Ao final de 2007, estávamos prontos para a abertura de capital, mas não levamos a operação adiante por conta da deterioração do mercado", diz. "Naquela ocasião, aos preços cogitados, a operação não seria adequada."

O executivo afirma que segue atento ao cenário do mercado, mas não tem nenhuma ansiedade em relação à listagem em bolsa. "Faremos a operação quando encontrarmos o melhor momento, tanto à luz das atividades da empresa quanto do mercado", diz.

Cândido Lima, da PST, também afirma que a empresa está atenta aos movimentos do mercado e mantendo-se atualizada. "Acreditamos na perspectiva de que o grau de investimento poderá dar mais confiança ao investidor, o que levará à melhora nos negócios", afirma. "No entanto, deve haver muito mais cautela e seletividade por parte dos investidores."

Algumas empresas, que ficaram expostas em função do pedido de abertura de capital, acabaram chamando atenção de outras companhias.

A goiana MB Engenharia, que comunicou a desistência da oferta em março, foi comprada, no mesmo mês, pelas Brascan Residential Properties. Ainda no mesmo ramo, a Direcional Engenharia vendeu 25% de seu capital para o fundo de participações Tarpon. A Ideiasnet, de tecnologia, também desistiu da oferta e fez um aumento de capital de R$ 100 milhões, com recursos do Centennial Asset Mining Fund LLC, empresa ligada ao grupo EBX, do empresário Eike Batista. No setor farmacêutico, a Farmasafoi vendida para a Hypermarcas, que já tem ações na bolsa.

Duas empresas - a UAB Motors e a Unidas- reapresentaram pedido de registro de companhia aberta à CVM. A primeira ainda não informou a operação que deseja fazer e a segunda prepara captação via debêntures. A Tivit, de tecnologia da informação, já possui registro e reapresentou pedido de oferta de ações, em maio passado.

Entre as que mantêm o interesse de ir à bolsa estão o Banco do Estado do Espírito Santo (Banestes) e o Banco Industrial do Brasil (BIB). "Estamos 100% prontos para a oferta de ações e, quando houver uma boa oportunidade, vamos estudar a retomada da operação", afirma o diretor de relações com investidores do BIB, Eduardo Guimarães. A instituição desistiu da oferta por causa da deterioração das condições do mercado. "Chegamos atrasados. A bolsa já estava fechada", reconhece. Se não conseguir retomar a oferta, o banco poderá captar recursos no exterior, já que tem um programa de bônus.

A Imcopa, do setor de agronegócios, também aguarda a melhora do mercado. A companhia pretendia lançar ações para colocar em prática um projeto de ampliação das atividades. Os planos não chegaram a ser detalhados e, no momento, estão engavetados. "Os investimentos planejados poderão ser feitos se no futuro a bolsa for uma alternativa interessante ou se a empresa tiver recursos próprios", diz o diretor operacional, Enrique Traver. "Não estamos considerando nenhum outro tipo de financiamento, pois o custo do dinheiro está alto", complementa.

Para alguns especialistas, não são apenas as turbulências do mercado de ações que mantêm as empresas distantes da bolsa, mas também algumas condições macroeconômicas. Com uma inflação projetada de 6,5% e a taxa de juro no BNDES a 6,25%, tomar dinheiro no banco oficial agora é um bom negócio.

Um segmento que deve se beneficiar da freada no ritmo das ofertas de ações é o dos fundos de participações. O tema dominou os debates do congresso do setor, em abril. Sem a concorrência dos lançamentos de ações, os valores exigidos pelas empresas para participação em projetos caíram e ficaram mais acessíveis aos fundos. Uma das principais gestoras do setor, a Advent, admitiu à época que já estava conversando com várias das empresas que estavam na lista de espera da CVM. (Colaboraram Marli Lima e Carolina Mandl, de Curitiba e Recife)