Título: Direito de preferência na Vale reduz parcela do varejo
Autor: Cotias , Adriana
Fonte: Valor Econômico, 15/07/2008, EU & Investimento, p. D2

Apesar de levantar um caminhão de dinheiro - mais de R$ 20 bilhões - com o aumento de capital em curso, a Vale pode ter criado uma situação de escassez de papéis para o novo investidor pessoa física interessado em participar da oferta pública global. A mineradora planeja vender, no Brasil e no exterior pelo menos 256,926 milhões de ações ordinárias (ON, com direito a voto) e 164,403 milhões de preferenciais classe A (PNA, sem voto). Só que, ao dar direito de preferência de aquisição aos seus atuais acionistas, a quantidade ofertada é justa para atender apenas a atual base. As sobras devem vir da parte do capital que está nas mãos dos estrangeiros, que não terão a mesma prerrogativa que os locais.

Os acionistas, donos de ON ou PNA, têm direito de subscrever o equivalente a 0,08564803 ação nova para cada ação presente na sua posição de custódia de hoje, fim do prazo de reserva. Nas corretoras, a ordem para os atuais acionistas era aderir à operação para não ter o seu investimento monstruosamente diluído.

Do que sobrar, de 10% a 20% das ações vão para o público de varejo, que pode reservar lotes a partir de R$ 3 mil. Além disso, para conseguir levar algo para casa, o acionista novato vai ter de passar pelo filtro antiespeculadores da Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia (CBLC). Já no documento da reserva, o candidato tem de se classificar como "com prioridade de alocação", dando aval para a CBLC investigar o seu comportamento de manutenção de ativos nas ofertas da Metalúrgica Gerdau, Gerdau, Le Lis Blanc e SLC Agrícola.

Pelas regras de rateio, se houver excesso de demanda, quem ficou com 80% das ações compradas nas ofertas consideradas no dia seguinte ao início das negociações pode levar até R$ 20 mil. Já aqueles que venderam parcela superior em duas das operações avaliadas pode ficar com, no máximo, R$ 5 mil.

Com a grande procura pelos atuais acionistas, Bernardo Lobão, analista da BNY Mellon-ARX Capital Management, prevê que as sobras serão relativas à participação dos American Depositary Receipts (ADR, recibo de ações) na operação. Ao contrário dos investidores brasileiros que terão preferência na subscrição, ele cita ser difícil visualizar tal opção do investidor estrangeiro no negócio. "Acho que terá um leilão de sobras criando espaço para o varejo."

Pelos seus cálculos, 68,5% do volume ofertado já tem subscrição garantida. Este percentual leva em conta os controladores da Valepar, que garantiram presença na operação e que abocanham 32,5% do capital total da mineradora, mais a base local de minoritários, que constitui 36% do capital total. Esses investidores têm preferência de subscrição na operação. Já os ADRs não têm direito de acompanhar o aumento de capital nas mesmas condições. Por isso, Lobão aposta em sobras oriundas da fatia de ADRs. Ele estima que a Vale vai captar cerca de US$ 12 bilhões a US$ 13 bilhões, dos quais um terço será subscrito pela Valepar. Sobrariam US$ 9 bilhões para investidores privados. Pelo percentual destinado ao varejo após o direito de preferência, de 10% a 20%, restariam cerca de US$ 820 milhões para o investidor individual novo.

Ricardo Magalhães, gestor e sócio da Argúcia, também acredita que pode haver espaço para o varejo, conforme previsto no desenho da operação. "O importante é que a ação está barata", diz. A PNA está na faixa de R$ 44 e as perspectivas futuras de negócios da Vale, como minério de ferro, níquel e cobre tendem a reagir. "O nível atual de preço do níquel é piso." Para ele, a oferta será um sucesso, mesmo mantida a dúvida do que a companhia fará com os recursos captados. "Este dinheiro aumenta sua capacidade de comprar uma empresa maior, como a mineradora anglo-suíça Xstrata, a americana Freeport McMoran ou mesmo a Anglo. Mas, não descarto a compra de mineradoras juniores".

No início do mês, a área de pesquisa global do Lehman Brothers iniciou a cobertura dos American Depositary Shares (ADS, recibos de ações ON, negociados em Nova York) da mineradora com classificação "overweight" (acima da média de mercado). Para os analistas Christopher LaFemina e Abhishek Shukla, a Vale vem sendo negociada com múltiplos em linha com a média do setor (um Preço/Lucro de 9 vezes para 2009), mas tem potencial de crescimento maior do que os seus pares. O risco operacional baixo e a exposição dos negócios de mineração em economias emergentes justificariam que os papéis fossem negociados com prêmio em relação às concorrentes globais, excluindo-se a BHP e a Rio Tinto, na lista "top pick" (alto potencial de valorização) da casa. O risco do investimento, advertiam os especialistas, é a percepção de que a companhia se prepara para uma mega aquisição.

No prospecto da operação, a Vale informa que pretende direcionar até 66,66% dos recursos para o financiamento de projetos e eventuais aquisições, com a parcela restante usada para aumentar sua flexibilidade financeira - o que quer dizer reduzir os índices de alavancagem, ampliando a capacidade de aproveitar oportunidades de financiamento de investimentos ou aquisições e de suportar qualquer redução do fluxo de caixa proveniente de custos mais altos ou preços mais baixos de commodities.

Apesar de a Vale afirmar que não há nenhuma negociação em curso no seu prospecto, os analistas do Lehman consideram que a venda de ações tem como objetivo claro uma aquisição. Entre as possibilidades no horizonte, a Xstrata ofereceria a melhor combinação, enquanto a Alcoa seria a compra menos lógica.